domingo, 24 de outubro de 2010

O Cachorro de Pavlov

Entendo a defesa de uma crença, a justificação de um posicionamento. Porém, atores do Século XXI desprezando o legado do Século XVII - o Século das Luzes - para retornarem militantemente ao sectarismo e proselitismo religioso, político, me aflige sobremaneira. Isso sem falar no desprezo ao método científico e à lógica.
É um passo (ou vários passos) para trás. 

Tenho recebido e-mails (de várias fontes) com posicionamentos cegos, carentes de embasamento ou justificação plausível. Meros proselitismos políticos, como textos preparados por “torcidas organizadas”. Quero deixar claro que embora não seja ninguém, ou talvez por isso mesmo, dispenso toda e qualquer panfletagem que ofenda minha ínfima inteligência. Vamos por partes:
- “Dubito, ergo cogito, ergo sum[1]. Nenhum argumento de autoridade, vindo de quem quer que seja (e devo dizer que os que tenho recebido são pífios), é suficiente por si só para convencer-me sem o devido estudo e/ou reflexão.  
Diferentemente do cachorro de Pavlov, prefiro acreditar que ainda consigo me livrar do condicionamento clássico[2] e renego, portanto, o Behaviorismo inicial de Watson. Prefiro aceitar as últimas verdades da neurociência e alguns dos argumentos de Chomsky que me garatem alguma autonomia intelectual. 

E já que falei de animais e de argumentos de autoridade, cito (propositalmente) o sarcasmo de Olavo de Carvalho no texto ‘Rorty e os Animais’ em seu livro ‘O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras’, 5a ed., pp. 60-67. 
Olavo, ao comentar um artigo de Richard Rorty na Folha de S. Paulo num três de Março qualquer, disse o seguinte:
“(...) Mas não creio que o Sr. Rorty escreva assim por mera inépcia. Ele sabe que mente — e o segredo do fascínio que ele exerce sobre hordas de jovens pedantes consiste precisamente em que, descrendo de toda verdade, eles invejam o poder de mentir bem. Há muita gente que sonha em ser Richard Rorty quando crescer.
(...)
Quem conhece o Sr. Rorty pessoalmente garante que ele é um primor de simpatia. Acredito. Mas duvido que abane o rabo. Afinal, não é ele o animal da história [3]”.

Deveríamos (todos) voltar os olhos para uma política mais racional, menos “sanguínea”. Futebol é para estádios. Lá podemos xingar o juiz, odiar o adversário por 90 minutos e lavar a alma sendo irracionais e fanáticos.
Dentro do estádio e por 90 minutos, onde ainda podemos dar vazão aos nossos estímulos animais ancestrais separados por grades/telas/cercas e tutelados pela polícia. Lá seria um bom lugar e, 90 minutos, um bom tempo para salivarmos como o cachorro da experiência de Pavlov. 
Mas fazer isso aqui fora, com política, é o mesmo que transformar o país num experimento de condicionamento de quatro anos. 

Prós e contras, bem e mal, esse maniqueísmo binário só é bom e funciona perfeitamente na álgebra booleana.

Abramos os olhos, pois, ouvidos, mentes. Menos beligerância. 

Ah... E caso não tenha nada de útil a acrescentar, apenas esqueça meu endereço eletrônico...
E vá ler um livro...Por favor.


[1] "Eu duvido, logo penso, logo existo" é uma conclusão do filósofo e matemático francês Descartes alcançada após duvidar da sua própria existência, mas comprovada ao ver que pode pensar e, desta forma, conquanto sujeito, ou seja, conquanto ser pensante, existe indubitavelmente.
[2] Psicologia S-R (sendo S-R a sigla de Stimulus-Response (estímulo-resposta), em inglês). 
[3] Olavo de Carvalho - Rorty e os Animais, O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras, 5a ed., pp. 60-67

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