sexta-feira, 9 de abril de 2010

“By the head”

Trabalhar em uma multinacional e ter que de alguma forma falar e escrever em inglês traz algumas vantagens. Não me refiro ao valor agregado (1) à sua empregabilidade, mas falo das piadas que podemos fazer disso.

Ao usar, por exemplo, um falso cognato ou uma tradução literal para o inglês de algo que dizemos no dia a dia, tornamo-nos reféns do embromation (xom xom) e de suas hilárias consequências. Funny!

Veja por exemplo o que um amigo me disse depois de algumas de minhas idas e vindas ao estrangeiro (a trabalho claro. Por conta só fui uma vez e mesmo assim desfrutando em grande parte das milhas oriundas das viagens a trabalho):

- Who te saw, who te see! – não cabe a tradução. Imagine tal frase brotando da boca de um respeitável senhor de meia idade (e entenda por meia idade a metade de 100 anos) nos corredores do escritório.

Devolvi a gentileza tempos depois quando num Hotel em Budapeste (de onde - diga-se de passagem - avistava da janela do quarto o Danúbio cindindo a cidade em Peste, onde estava o hotel, e Buda do outro lado do rio com o Buda Castle pontuando a paisagem) soube que ele chegaria naquela noite para o mesmo workshop de projeto que me levara pra lá uma semana antes.

Sendo aquela sua primeira viagem ao exterior, achei que alguma pompa seria mesmo indispensável. Deixei então na recepção um recado lacrado num envelope branco.

(...)

Do mesmo amigo vieram outras:

- Pergunta, mas você tem que responder “by the head”... (by heart, de cabeça).

Outro - paulista com sobrenome italiano - se especializou nas tais frases. Mas esse é quase um PhD, dificilmente batido por qualquer amadorzinho por ai. Vem de lá pérolas como “ tea with me that I book your face” (´xá comigo que eu livro sua cara), “ I how” (essa omito a tradução pelo alto teor de sensualidade), “H Holds Mine” (H Segura era só pra ser um nome comum no Paraguai) ou Gethmann que foi traduzido in the other way around para “pega homi”.

Mas é engraçado que nem sempre isso seja só usado como artifício de ironia e/ou piada. Em alguns casos, que o diga nosso amigo Brown, isso parece ter sido incorporado à linguagem coloquial e até a letras de algumas de suas músicas. Nunca entendi bem porque certas frases em inglês, definitivamente nada melhores que suas análogas em português, foram usadas tão despudoradamente (talvez como sinal de algum requinte, ou empáfia): “ one more time, aime, aime...”, “ amor I love you”, “alone in my time / I feel my blues in you / into my way of inventions / of inventions / sea of flowers over you...” WFT Essa última é dolorosa. Brown parece sempre estar de mãos dadas com Lucy in the Sky with Diamonds, entorpecido em seu psicodelismo baiano abissal, anormal.  Fato é que nunca gostei desses Tribalistas. AA é um engodo, um embuste concretista (que nunca li e não gostei). Já a Monte perdeu o rumo na virada do morro. Só aguardo o dia em que gravará Atirei o pau no gato com arranjo e roupagem intelectual/transcendental.

Bom, como não há a menor possibilidade de um destes ler este post, JN está salvo de ser surrupiado em uma de suas quotes. Já o paulista, que gives a shit, nem se importaria de ter uma das suas incorporadas ao cancioneiro tribal mal arranjado. Por via das dúvidas, aviso aos navegantes: caso usem sem pedir licença poética vamos aos tribunais. Afinal de contas, isso aqui não é a casa da mother Jô.


PS o que escrevi no envelope? Bom, após efetuar seu check in no hotel (depois de preencher o formulário com nome, endereço, telefone, passaporte, cor da cueca, credo religioso e o scambau), recebeu o envelope do atendende. O engraçado é que o colega que o acompanhara não recebeu nada, pensou então tratar-se de um brinde ou algo assim para alguém honorável como ele. Sorriu triunfante.

Aberto o envelope leu sua própria mensagem escrita a mão por mim:
"Who te saw Who te see!"  ("quem te viu, quem te vê!"). Estava afinal na Hungria, no estrangeiro, como costumava dizer.


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(1) Substantivo que vem da mesma vertente de diferencial e anda na moda por ai. Não tão poderoso como o gerundismo mas doura a pílula e faz o mesmo estrago.

domingo, 4 de abril de 2010

Um dia na Firma

(2002, do escritório de uma empresa que já não existe mais)
Alguns limites nos são impostos por mera presunção ou pura impertinência. Como vociferar prognósticos tendo como embasamento parâmetros escusos da psicologia, subjetividades carregadas de emoções pessoais? 
A menos que tenhamos algum dom metafísico de premonição ou parte com o "demo", qualquer predição acerca do destino alheio é mero exercício de onipotência. Quando tal situação se restringe a um jogo de dados com o alheio num happy hour na mesa de um bar com algumas garrafas de cerveja hidratando a prosa, vá lá. Entretanto, quando tal empresa assume o peso de um futuro, é inconsequência determinarmos limites à capacidade alheia tendo como variáveis nossos próprios receios acerca das pessoas.

Quando formulários, burocracias assumem papel mais importante que pessoas, deparamo-nos com algum tipo de distorção.
Outra observação: sejamos francos, estatísticas podem e são manipuladas contra ou a favor dependendo da situação. O que vemos ao longo dos anos de efetividade em controles, marketing colorido para transformar equívocos desastrosos em premiações a realizações esdrúxulas, são uma espécie de culto à incompetência velada por métricas, estatísticas e relatórios.

Vamos mal. Perde-se mercado a cada dia por uma conjunção de fatores que vão desde a letargia comercial até o emperramento e miopia causados pela cultura do medo e terror. O erro não servindo como legado para o aprendizado e sim como um estigma para demoções ou congelamentos.

"A fé remove montanhas".
Há mais nesta frase que simplesmente a conotação da manipulação religiosa.
Fé na amplitude de crença, ideal, sonho, objetivo. Acreditar é condição sine qua non para perseverar, é o esteio da motivação.
Das teorias psicológicas como por exemplo a de Maslow e sua pirâmide das necessidades, todas apontam direta ou indiretamente para a crença como amálgama e justificação de  uma particular motivação. Com efeito, ela tem papel definitivo na garantia de todos os valores desejáveis para a harmonia do convívio social.
É desejável, por exemplo, que ninguém pratique tiro ao alvo da janela de um edifício com os transeuntes incautos da rua. Além do poder e autoridade legais, faz-se necessário um adendo, que o atirador acredite ser abominável matar seres humanos por mero exercício de pontaria, caso contrário - sobretudo num país como o nosso, onde cadeia é artigo para pobres - correríamos o risco do poder estamental permitir tal luxo macabro sem maiores conseqüências.

Não é diferente na economia, na política, no esporte ou nas empresas. Vamos mal economicamente em conseqüência da descrença do capital em investimentos na América Latina após nossas históricas e sucessivas crises político-econômicas. Vamos mal na política/economia porque não acreditamos na idoneidade de nenhum político, e da parte deles, por não acreditarem que serão punidos por improbidade algum dia. Vamos mal no futebol por não acreditarmos mais na pátria, na camisa como um fim em si mesmo.

É imperativa a manutenção da motivação em nossas vidas, seja ela por algum estímulo de realização pessoal, seja por alguma necessidade auto-justificável.

É preciso reavaliar o objetivo comum, tão esquecido no emaranhado egoísta dos objetivos individuais que nem sempre conseguem se livrar do canibalismo e antropofagia.

Assim, uns e outros - individualmente - estão muito bem no topo de um ranking que é o mastro de um navio afundando, enquanto outros já se afogaram ou estão prestes a: a questão aqui é apenas de ordem, quem vai morrer na frente, embora a morte seja extensiva a todos.
Francamente!

sábado, 3 de abril de 2010

Icárias


“Minha inquietação busca o mar.
Basta dizer que já falo,
o que ainda não era normal.”




"Asas, um voo sobre a sêca e a terra vermelha, por sobre o povo, quem sabe?”

Esse sonho de voar sempre povoara-lhe a cabeça, como a solução de Dédalo para fugir de Creta, embora dessa empresa tenha seu filho perecido, transformado em mar e memória.

Com a ajuda e cumplicidade de um seu amigo rascunhou num pedaço de papel os contornos e dimensões de sua asa, com aquela presunção do desenhista que aprendera no ginásio algumas parcas lições de geometria, proporções e perspectiva. Correu depois cada um para sua casa em busca dos insumos necessários à construção.

Dico de Serafim trouxe o martelo, todos os pregos que encontrou perdidos em casa e uma lona velha de caminhão afanada sorrateiramente das coisas do pai. Duí providenciou o resto: as ripas de madeira retiradas de caixas velhas da mercearia do Zé Camargos, o serrote e o alicate emprestados por Ioiô, seu irmão mais velho, depois de uma saraivada de xingos, insultos e palavrões. Reuniram-se novamente no quintal da casa de Duí tão logo juntaram as tralhas para a empreitada.

Debaixo de uma das várias mangueiras do quintal, a de manga rosa, que presenciara mais de uma vez seus desassossegos estendendo-lhe a mão branda das folhas, começaram o trabalho de construção da asa sem esconder o entusiasmo, quase histéricos. Escondidos do calor sufocante que monta à fome e à tragédia do Jequitinhonha construíram num esqueleto de madeira em forma de um grande triângulo isósceles a asa feita com a velha lona de caminhão do Serafim. Após alguns pregos e marteladas, costuraram-na por dentro seguindo as bordas das ripas e o contorno, de acordo com os rabiscos do desenho. Colocaram logo depois a alça, se é que se podia chamar aquele frágil retângulo de madeira fina de alça. Estava pronta afinal! Observaram-na por alguns segundos hipnotizados pelo prazer e satisfação que a materialização de um desejo provoca. Eram olhares transparentes, trespassando a perspectiva do voo com uma inquietação pueril, exterior.
- Vamos até o morro da contagem - interpelou Dico instantaneamente.
- Lá não dá. Tem que ser num lugar de onde a gente possa saltar, Dico - Duí respondeu com ar de superioridade - no morro da contagem, lugar realmente alto, faltava um ponto, um pico de onde eles pudessem alçar voo.

Depois de alguns minutos matutando, eliminando em pensamento os lugares que não preenchiam os requisitos, Dico soltou a palavra num tom de voz elevado, desses reservados às descobertas - se tivesse tido noções básicas de física teria dito “Heureca!”, quase num grito:
- Já sei. Vamos pular do muro do cemitério. De lá podemos voar por cima da cidade toda.
- Essa foi boa. - E passou-lhe pela tela dos olhos um filme em rotação alterada, muito mais veloz que o normal, um lampejo imaginário do voo embaçando-lhe a retina, as cenas passando rápida e desordenadamente, desejos, sonhos, euforia andando mais depressa que seus passos trôpegos subindo a rua da Igreja do Rosário. - Vamos lá! - completou Duí.

A rua Getúlio Vargas, com seu mosaico de lapas retiradas do rio Fanado pavimentando o solo com formas irregulares de um tom cinza, brilhante. Logo depois de passar a Igreja do Amparo, ali, do lado da Mercearia São Geraldo - onde o Zé Camargos vendia refresco de essência de uva para os da zona rural que aguardavam a condução de volta - à direita, uma casa caiada, com a fachada fosca típica das paredes de adobe, um moço sentado à porta. Franzino, cabelos longos e loiros, sempre com uma expressão densa vincando-lhe a face e imputando alguns anos a mais à sua magra juventude.

O sol emergenciava a vida num ritmo aparentemente lento, inexorável, conquanto acelerando o destino com o peso da dor, da seca, da miséria. O calor refletido no solo emprestava à paisagem a imagem desolada da distorção, a lente deformadora da canícula projetando as imagens das casas, das ruas, das gentes, num fundo ondulante de cáustica aparência.

Olhos azuis desbotados, talvez arautos da tristeza ou do romantismo masoquista dos poetas. Arredio, ou então, simplesmente renegado pelas pessoas que se agrupam e determinam padrões de comportamento. Talvez as duas coisas. Tinha poucos amigos, e na verdade, falava muito pouco. Não se identificava nos outros de sua idade e tinha, aí sim, um orgulho e convicção que faziam seus olhos crepitarem de fúria, embora não prezasse o embate físico, todas as vezes que sofria enxovalhos. “À puta que os pariu seus merda! Cambada de imbecis!” - vociferava reiterando sua certeza de não querer ser com eles, a despeito disso às vezes lhe custar um certo trabalho para se livrar do sitio.

Dico também subiu a rua calado, mas com um sorriso maroto impregnando seu rosto. Afinal, embora fossem amigos, havia uma concorrência enrustida entre eles, e se Duí tinha tido a maravilhosa ideia da asa, sem ele, Dico, o cemitério ainda estaria no mesmo lugar de onde viera. Emudecido, Duí continuava a passos largos com um olhar perdido, absorto em suas divagações.

As razões eram adversas, alheias à vontade do raciocínio. Pelo menos eram assim com ele. Firmavam-se como referências, o ponto mais emergente das circunstâncias, a única coisa da qual ainda se podia ter mira, divisar no emaranhado difuso das angústias, no turvo rio das lembranças e das mágoas. Refluíam do passado com um rancor acre, seco, o amargo da piedade, da humilhação, da descrença. Bastava! Já eram motivações suficientes para revanche. As lembranças não desapareciam. Como o sol, tornavam os dias mais longos, as noites mais ácidas e desesperadas, a vida mais fosca no marulhar das águas negras nos barrancos dos anos de sua infância.

Ficava na saída da cidade, na estrada que levava para a Lagoa Grande - um lugarejo a uns 18 km de Ouro Velho. Encravada no vale do rio e prolongando-se morro acima em todas as direções, o cemitério encontrava-se exatamente no topo onde as construções findavam. Era cercado por um muro alto, com uma espessura na parte da frente que tornava possível caminhar sobre ele como numa pequena ponte de concreto.

Eles subiram no muro numa tarde por volta das três, com o sol fritando suas cabeças, tendo por testemunha a vegetação e a opulência rude das coisas da cerrado - João coveiro não se encontrava em seu “posto de guarda”. Não foi fácil. Embora o peso da asa pudesse não ser muito grande, seu tamanho tornava-a um trambolho que dificultava galgar a altura.

As ruas estavam vazias. Era domingo, um fatídico dia de seca e calor do mês de Abril. Na verdade, não raro era fácil confundir qualquer outro dia com Domingo. Naquele fim de mundo o calendário é imudável, redunda todos os dias da semana a um só, estabelecendo o ritmo tedioso da lida. Todos se refugiavam do calor na Barragem das Almas ou nos botecos, tomando uma “pinguinha” entre formulações excêntricas e soluções inflamadas para os problemas do mundo. Falava-se, nessas ocasiões em que as insolações da pinga e do calor se misturam, de todas as coisas de Deus e do Demo. Surpreendentemente, folga também da fofoca na janela, pois não havia nenhuma beata de plantão se esticando no parapeito para desferir sua língua pontiaguda contra um transeunte qualquer na rua. Afinal, não havia ninguém disponível para embargar a empresa.

Depois de uma disputa birrenta para saber quem voaria primeiro, Duí impôs sua autoridade de pai da ideia e conquistou o direito. Dico, resignado, ajudou nos preparativos. Colocou a asa sobre as costas do amigo, que enfiou a cabeça dentro do retângulo formado pela alça com a qual seguraria a asa, passando os braços por fora da madeira e segurando, com as duas mãos, na ripa horizontal que ficava na altura de sua virilha. - É a posição mais confortável para poder manejar a asa - pensou.
- Vamos esperar dar um vento - espetou Dico com um olhar científico vasculhando as imediações como quem analisa as condições para o voo.

Duí permaneceu calado, imerso em sua excitação e expectativa. Já começara a enxergar seu salto vitorioso para um voo panorâmico por cima da cidade. O filme agora era visto em rotação normal, lento, colorido, com rigor de detalhes, cena se superpondo a cena numa sequência perfeita, magnífica. Libertaria sua ira, seus ressentimentos, abriria o peito lá de cima e entornaria todo o fel de sua mágoa sobre o Labirinto da cidade. Veria pessoas se afogando, a beata Marilú contorcendo-se no chão com seu vestido preto, luto eterno, enterrado até a cabeça com o caldo de sua raiva. Babau praguejando palavrões e arrancando gemidos dos mais próximos com seus coices cegos, remontando as cenas grotescas do inferno de Dante. O Bira, porque esse sorria? Seria por nada entender ou por simplesmente duvidar do ácido amargo de suas entranhas? Não, para esse o fel era como o vinho, seco, amigo, tal como Pangloss no melhor dos mundos, talvez o derradeiro veneno para sua embalsamada caminhada, a salvação afinal.
Esta cidade lhe devia isso. Louco? A humilhação de sua piedade quebrar-se-ia em mil pedaços, cacos pontiagudos cortando as pessoas feito o estio. Enxergaria todas como pequenas formigas, frágeis e minúsculas lá em baixo, pareceriam poeira e misturar-se-iam a ela, voltariam enfim para a força telúrica, abandonadas da mágoa, da raiva, da perfídia congênita e contagiosa dos dias. Hoje haveria de ser o dia, haveria de ser.

O vento demorou, mas de repente, um sopro poeirento jorrou sobre seus ombros e ele voltou à realidade com as mãos do amigo espalmadas com força sobre suas costas:
- Duí, vai até lá em baixo na ponte, passa pela prefeitura, pela igreja do Rosário e depois volta sem demora que eu também quero “dar uma” - e Dico, sem pestanejar, sem esperar resposta, empurrou determinado o companheiro rumo ao céu.

Muita poeira subiu com a ventania, Dico fechara os olhos protegendo-se dos “ciscos” e da cortina vermelha que a terra seca da estrada da Lagoa Grande fez formar. Logo que os abriu, esfregando-os com suas mãos sujas, olhou para o céu em busca do companheiro. Procurou por todos os lados, dando uma volta em torno de si mesmo ansioso:
- Duí. Duí. Duí...Agora sou eu Duí.
Já impaciente porque o amigo experimentava primeiro a sensação de voar, e com a velha frustração de ficar em segundo martelando seus brios, continuou aos gritos chamando o companheiro sempre com os olhos vasculhando os céus.
- Duí, Duí, Duí...

Quando ouviu uma voz gutural, rouca e pronunciada por entre os dentes, que vinha de baixo, olhou de supetão para o solo à sua frente; mas como a poeira não se dissipara totalmente, teve dificuldade em divisar um vulto em meio àquela voz engasgada, voz de suplício:
- Ai... Ai... Ai...Ui...Tô aqui desgraçado! Merda! Quebrei meu braço feda puta! - praguejou Duí estatelado no chão entre as ripas quebradas das caixas velhas do Zé Camargos, a velha lona de caminhão do Serafim e a dor só sua de um braço quebrado, da alma estilhaçada e do orgulho irremediavelmente ferido mais uma vez.
Não fora, novamente!

E nos dias que se seguiram, voltaríamos a vê-lo sentado à frente da casa, com o mesmo olhar triste, a mesma postura reflexiva, agora com uma tipóia no braço, a tinta vermelha de mercúrio sobre as escoriações, e o pensamento fixo de conseguir alguma coisa... “Algum dia!”

First shot


Aos 43 anos, depois de rezar um extenso rosário de fantasias juvenis que foram desde ser um cientista, um matemático, um rock star, um escritor ou até mesmo um ator de “película pornô”, me restrinjo ao trivial da subsistência (quanta originalidade). Não que isso seja de tudo frustrante, desde que possa sempre vasculhar ao meu redor e escanear minha família - antídoto para qualquer frustração - tudo bem. Por hora estou realizado, nonetheless (1).

Porém a ideia de escrever já me persegue há anos. Mais uma de minhas recorrentes fantasias juvenis? Sei não...
Dane-se! Mal não vai fazer.

(...) O trabalho no ano passado me possibilitou interação com muita coisa, muitos lugares e muita gente. Estive nos Estados Unidos umas 10 vezes e no Japão, uma. Bem, era de se esperar que conhecesse gente boa e babacas, isso é natural - “um montão de babacas nasce em todo lugar (2)”. Dentre as pérolas, deparei-me com um inglês-americano do Texas (Isso mesmo! Mas a explicação é longa e não cabe agora), econômico nas palavras, relacionamentos e convívio. Frio, pretty(3) "incomum" para um inglês.
No entanto, ao descobrir seu blog qual não foi minha surpresa: solitário, soturno pessoalmente, hilário, sarcástico e vibrante no computador. Sei lá se essa dupla personalidade é calculada pra manter-se em segurança dos envolvimentos/relacionamentos e da trabalheira e complicações que isso de vez em quando traz ou se é mesmo um tédio mortal da vida aqui fora. De qualquer forma, isso me despertou novamente a vontade de escrever de maneira sistemática, disciplinada, talvez num blog com posts que iriam desde falar do que não sei sobre política e economia até descer a pua no statu quo. Fato é que só o exercício traz a destreza e o domínio das palavras que gostaria de ter. Disciplina é chave pra quem não vem de fábrica com o dom ou a genialidade inata dos escritores, talvez seja crucial até mesmo para estes.
Decidi então arriscar-me a fazer esse tal de blog, sob pena de servir só pra mim mesmo, uma vez que dei pra reler tudo o que escrevi há tempos com certo prazer, como se minhas palavras, feito a cachaça envelhecida em tonéis, saltasse tempos depois das páginas enriquecidas e depuradas.
Como debut vai ai essa introdução, sem pé nem cabeça. O bom é que não tenho mesmo que seguir regra alguma, dar satisfação a ninguém. Leu? Azar é seu! Oh yeah...

Engraçado como essa Internet cristalizou um cem número de formas de socializar a fama. Qualquer um poder ser lido, visto, ouvido por qualquer um. Só essa possibilidade já te garante um certo sentimento de realização, como se suas besteiras pudessem mesmo ser lidas por multidões. No final é isso mesmo. A quem interessaria escrever algo que com certeza ninguém nunca veria? Vaidade é humana, e quem precisa de BBB (arrrrrrrghhhh) depois da Internet?

Bom... é isso (essa ai aprendi com ele, quesclamation mark/interrobang(4))

PS Ah, caso tenha gostado (ou não), não me escreva. I don´t really care, desde que você continue passando por ai de vez em quando nem que seja pra me xingar (solitário) com um monte de impropérios. C ya.


(1) ´Todavia´. Me soa espanhol coloquial qdo dito no final da frase (gosto da construção, me faz lembrar o Martin Löew).
(2) Guinga/Aldir Blanc na música ´Destino Bocaiúva´, CD ´Pra bom entendedor´ da Fátima Guedes.
(3) Vá procurar no dicionário rapaz. Mexa-se!
(4) It´s a nonstandard English-language punctuation mark intended to combine the functions of the question mark (also called the interrogative point) and the exclamation mark or exclamation point (known in printers' jargon as the bang). (Translate it by yourself dude, I´m not here to make your life easier).