domingo, 19 de setembro de 2010

Crônicas do Mato. #1 : "É os tais negócio"

Algumas expressões tomam tamanho e transcendem o tempo e a situação em que foram primeiro proferidas. Deixam de ser exclusivas, circunscritas ou isoladas e viram domínio público.
Foi assim, diz a lenda, durante um baile em 1347, onde a Condessa de Salisbury, amante do rei Eduardo III de Inglaterra, perdeu a sua liga, azul. O Rei mais que depressa recolocou-a, sob o olhar e sorrisos dos nobres.
O Rei grita então (em francês, que era a língua oficial da corte inglesa) "Messieurs, honni soit qui mal y pense!(...)” (Maldito seja quem pense mal disto!).
“(…) Ceux qui rient en ce moment seront un jour très honorés d'en porter une semblable, car ce ruban sera mis en tel honneur que les railleurs eux-mêmes le rechercheront avec empressement." (Os que riem nesta hora ficarão um dia honradíssimos por usar uma igual, porque esta liga será posta em tal destaque que mesmo os trocistas a procurarão com avidez).
Eduardo III, no dia seguinte, cria então a ordem da Jarreteira, tendo como símbolo uma liga azul sobre fundo dourado, que ainda hoje é a mais prestigiosa ordem do Reino Unido, tendo somente 25 membros e cujo Grão Mestre é o monarca da Inglaterra.
Quase todos os mais importantes primeiro ministros do Reino Unido dela fazem parte.

Tais expressões, embora curtas - ou talvez por isso mesmo, sintetizam, ao mesmo tempo que encerram a justificação em si mesmas.
Irrefutáveis, põem fim a pelejas e acabam com discussões.

“Dão”, primo primeiro do meu pai, numa viagem de Gangorras a Minas Novas num Jeep Willys 59, lá pelos idos de 63, foi alertado pelo velho sobre o fumacê vindo de dentro do capô:
- Dão, o carro tá fervendo.
"- É cumpadre...ele custuma mornar."
Pra quem entende, o carro ferveu e a viagem só foi restabelecida hora e meia depois, após pararem fora da estrada e aguardarem que o motor esfriasse, não sem rirem bastante.
Buscaram água no Ribeirão da Toca, e sei lá se pela qualidade da água ou mesmo porque antes ela faltara, puderam completar a viagem depois daquilo.
O mesmo Dão, na rua 4 da casa do Betânia, distraiu-se com uma pinga enquanto uma varejeira desavisada mergulhou em seu copo. E ela deve ter apreciado a pinga do Tião Labatu, porque não sairia de lá por vontade própria.
Bem, o velho de novo pontuou:
- Dão, caiu uma mosca na sua pinga.
Com desimportância, sem tirar os olhos do interlocutor e continuando a conversa, balbuciou inclinando o copo e dando um peteleco no inseto:
"- Sai brabuleta, sai brabuleta..."
Degustou depois a pinga, sem pudor.

Zé do Mudo então tem uma que é uma espécie de panacéia lingüística. Serve pra tudo e todas as situações. Não sabe o que dizer? Está comovido, assustado, apavorado? Seu time venceu o campeonato? Perdeu? Novidade boa? Ruim? Tragédia?
“- É os tais negócio. Num falo com cê? É os tais caso.”
(...)
Dona Celuta, da aristocracia minasnovense dos anos cinquenta, tempo em que vir à capital era um evento, não só pelo fato de visitar a corte mas também pela odisséia da viagem em si, também deu uma das suas.
Em BH tinha bonde. Na Praça Sete, a mesma onde Zé de Maria Lora um dia perguntaria indignado aos transeuntes (ignorantes) se tinham visto o pai, então prefeito... de Minas Novas, Celuta estacou na parada de bonde na confluência com a Av. Afonso Pena. O Bonde chegou e todos pularam avidamente pra dentro, como era normal. Senhora respeitável, tomou o tempo e o cuidado necessários a uma dama para subir e se aboletar numa cadeira. Ai, petulantemente e autônoma proferiu:
"- Podemos ir!"
Coincidência, já que o motorneiro distraído nem dera ouvidos ou atenção, a alavanca foi acionada e o bonde pôs-se em movimento.
(...)
Fabeca, o caminhoneiro mais famoso e bem sucedido daquela época, arranjou certa vez um ajudante um tanto estranho: "João 100%".
Durante as viagens, João costumava virar-se bruscamente para o motorista no volante e fitá-lo por alguns segundos com um olhar insano, arregalado, olhar de hospício.
Seu Fábio não gostava nada daquilo. Era amedrontador.
Uma vez, o Chevrolet carregado perdeu o freio descendo o morro em direção a ponte do Araçuai.
Iraval, o motorista da vez, fez o possível para manter-se na rota...e mantê-los vivos.
Bateram algumas vezes nos barrancos antes que o caminhão parasse, tombado no meio da estrada. De cabeça pra baixo, atordoado dentro da cabine com a bacia quebrada e já sofrendo das dores do acidente, Iraval ainda teve tempo de praguejar depois de mais uma investida de João 100%, o chapa ali a seu lado:
"- É aqui Gerarrrda! "(1)- vociferou 100% imediatamente após o caminhão estancar os saculejos.
- Vá pra puta que pariu, João – disse um Iraval nada recomposto, já pensando no caminhão, nos prejuízos com a carga e no emprego.

Tem outra de caminhoneiro. Quando em comitiva, num Chevrolet caixa-seca, meu pai cedeu aos apelos de Paulo Leite - que vinha numa Scânia - para que trocassem de caminhão por alguns quilômetros, deu-se o rebento de outra expressão muito útil. O velho na Scânia ouvia o barulho das marchas não engatadas, do caminhão Chevrolet guiado agora por Paulo, logo atrás. Meu pai então diminuiu a velocidade, para não perdê-lo de vista no retrovisor. Viu, minutos depois, os faróis piscando, senha de que deveria parar. Parou no acostamento, desceu do caminhão e esperou que Paulo chegasse.
"- Pra dirigir cinco marchas (Chevrolet caixa-seca) tem que chupar dentifrício" – espetou Paulo desolado por sua incapacidade de trocar as marchas do caminhão.

Tais expressões entraram em nossa vida, vivas feito memórias.

Muito provavelmente o neófito diria que isso é conversa de extraterrestre, caso nos flagrasse parlamentando amenidades:
- Dona Celuta: podemos ir.
- Sim, mas meio-dia... Tá quente demais não???
- Custuma mornar.
- É os tais negócio...Num falo com cê? Pra viajar pra Minas Novas "com essa lua" tem que chupar dentifrício.
- É os tais caso. "Bora"
- Sai brabuleta...sai...
- "Sim moço"...
- É aqui Gerarrrda!
- "Bico...bico...casca, rôia, leco leco...pega...pega...qsss qsss qsss"
(...)
E “honni soit qui mal y pense!” ...pra quem não entendeu.
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(1) Marchinha vencedora do carnaval de 1960 em S.P. Autoria: João Rubinato, ou simplesmente, ADORINAN BARBOSA

sábado, 18 de setembro de 2010

"Canto de Ossanha"

ZéMota me ensinou ainda na juventude: morreríamos com uma ripa de madeira atravessava, trancada por entre os dentes, antes de curvar-nos em barganhas de amor, em concessões ilegítimas da paixão.
Vinícius e Baden já cantavam...
"O homem que diz "dou"
Não dá!
Porque quem dá mesmo
Não diz!
O homem que diz "vou"
Não vai!
Porque quando foi
Já não quis!
O homem que diz "sou"
Não é!
Porque quem é mesmo "é"
Não sou!
O homem que diz "tou"
Não tá
Porque ninguém tá
Quando quer
Coitado do homem que cai
No canto de Ossanha
Traidor!
Coitado do homem que vai
Atrás de mandinga de amor..."
(1)

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(1) Vinicius de Moraes e Baden Powell

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Primeiro! Último capitulo!!!!

Frequentador dos Sebos da cidade tornara-se uma espécie de vizinho dos funcionários, desses a quem se dispensa uma reverência e pergunta-se da família, en passant.
Passava horas entre as prateleiras perscrutando temas, de Química a Magia, da Filosofia à Música; e desenvolvera um ar distante, após certo tempo, como desplugado do mundo fosse um caminhante estrangeiro por nações de estantes que falavam línguas e endereços diferentes.
O movimento e as pessoas ao redor já não importavam. Tudo fazia parte da paisagem, familiar e repetitiva. Não era ele próprio um incômodo para os funcionários. Assimilado como um móvel, uma estante ou livro do lugar, passava na maioria das vezes despercebido.
Também sem perceber, antes de deixar a loja sem concluir a compra de livro algum, lera por horas a fio. Outro dia e o mesmo ritual: engatava a leitura do lugar exato de onde parara da última vez. Todavia, não conseguiria explicar exatamente porque era capaz de fazê-lo, especialmente porque era comumente traído pela memória ao ser indagado sobre um estúpido número de telefone ou até mesmo seu endereço. 
Mecanicamente digitaria os números de casa no telefone sem pensar sobre isso. E é certo que chegaria em casa até vendado, antes de pronunciar uma palavra acerca de seu logradouro.
Não obstante, ainda se surpreendia com aquele seu talento, nas poucas vezes em que pensava nisso.

Quando criança costumava trancar-se no banheiro de casa e apagar a luz. Sentia-se inatingível  e mergulhava num limbo onde viajava por universos e galáxias
- Valter, sai dai. Tem mais gente aqui querendo tomar banho pô!
E despencava subitamente da dimensão por onde flutuara segundos antes, tragado para o mundo surreal daquele bairro de subúrbio onde morava com a família de sete pessoas.
No único lugar da casa onde fronteiras eram respeitadas, tirava a solidão pra dançar e exercitava passos de tango, valsa... 

(...)

Um dia como outro qualquer. Entrou no Sebo da rua Marechal Deodoro e cumprimentou o gerente.
- Buenas!!!
Gostava de falar cacos de outras línguas.
Também sem saber explicar bem como, aprendera o inglês, o francês, o italiano e o alemão, além do espanhol. Leu Heidegger e o Tractatus Logico-Philosophicus de Wittgenstein em alemão;  e convicto, concluiu que só poderia mesmo ter sido assim.   
Leu Russell e Swift em inglês e O Estrangeiro em francês. Cervantes, claro, em espanhol. Como explicar? Não podia. Nem mesmo recordava claramente quando desatara a estudar cada uma daquelas línguas. Só tinha a certeza de que tudo começara da motivação e avidez em decifrar os signos de autores cujos nomes o fascinava. 
Assim o Inferno e a Divina Comédia, assim Marcel Proust, Voltaire, assim Jack Kerouac, Shakespeare. Assim Hannah Arendt, Goethe, assim Cartas a un escéptico en materia de religión de Balmes. Absorto navegava por entre mares sem fim de letras.
Porém, naquele dia tudo estava fadado a um inesperado desfecho.

Não sei porque alguém assaltaria um Sebo. Essa é ainda uma pergunta sem resposta.
Fato é que por volta das 5 da tarde, e ele perdido na prateleira de filosofia perto do balcão de atendimento, não notou a movimentação e gritaria. Dois homens - mais ou menos nos seus 20 anos - entraram de arma em punho gritando voz de assalto. Ambos muito violentos, pareciam drogados. Ou talvez apenas sádicos, porque agredindo prazerosamente quem estava ao alcance das ameaças e à distância do braço e coronha da arma. Duas, três pessoas, dentre elas o gerente desabaram no chão pelo caminho com cortes na cabeça ou rosto e pequenos vertedouros de sangue.

Valter distraido estava, distraído permaneceu. Impassível. Àquela altura encontrava-se emaranhado entre as considerações da obra de Hume, A Treatise of Human Nature. Não ouvira nem vira nada nem ninguém.

Confusão, agressões, um dos assaltantes, o mais alto, do cabelo desgrenhado, voltou-se para Valter e disse-lhe ironicamente algumas troças.
Sem retorno ou reação, todavia, vociferou num crescente mais ofensas, a voz, os gestos, apontando a arma erraticamente para todos e cada um, ao mesmo tempo.
Valter... não estava ali. Era um autista, em transe no enlightenment de Hume.
Alvoroço, sirenes, os ladrões tomaram o dinheiro do caixa e, desorganizada e brutalmente pegaram o mais que puderam que servisse - provavelmente - para ser trocado por minúsculas pedras de crack. Enfiaram tudo numa sacola plástica branca.
Antes de sair, porém, o desgrenhado e mais ofendido deles resolveu acertar as contas com a arrogância e coragem daquele, que era Valter. Apontou e sarcasticamente convidou-o a desviar-se da bala.
"- Chupa essa ameixa!!! "
Sem resposta... um rebenque.

Sexta-Feira, 18 de Setembro de 2009, 17:13.
Valter desabou manso, em silêncio mortal. Como a primeira torre do World Trade Center num 11 de Setembro, colapsou verticalmente com a dobradura dos joelhos o projetando levemente para frente.
E já inclinado em direção à estante de filosofia, com a fronte perfurada encostada na prateleira de baixo inundando os livros de Marx, Maquiavel, Sade, com seu sangue vermelho, ainda pude vislumbrar o Livro 3 de Hume, "Da Moral", aberto em ´Of Greatness of Mind´, ao lado de sua mão direita, já inerte.
"Como um cão..."(1)
Não mais as letras, não mais os livros, a ignorância vencera... sem pergunta, sem debate...

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(1) O Processo - Franz Kafka, 1925

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Crônicas do Mato. Começo…

Introdução “wikipediana” :
Minas Novas, antes denominada Arraial das Lavras Novas dos Campos de São Pedro do Fanado, foi fundada pelo bandeirante paulista Leme do Prado. Ele veio à cata de ouro, encontrado em abundância no arraial. Deixando a região do rio Manso próximo a Diamantina devido a uma epidemia e procurando o rio Araçuaí e o rio Itamarandiba, Sebastião Leme do Prado, juntamente com outros paulistas, vieram a encontrar o rio Fanado por erro de rota, e mais tarde o ribeirão Bom Sucesso.
O povoado foi elevado à condição de vila no dia 2 de outubro de 1730, recebendo o nome Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas Novas da Contagem (obelisco próximo ao Funchal marca o local - nada a ver com a cidade da Ilha da Madeira. Muito melhor, é a casa do Seu Dimas *).
Criada como arraial da Vila do Príncipe (hoje município do Serro), Minas Novas passou a pertencer ao território baiano até 28 de setembro de 1760. Passou novamente a integrar a capitania de Minas Gerais sob a jurisdição do Ouvidor da Comarca do Serro Frio, mas permanecendo eclesiasticamente ligada à Diocese de Jacobina, da Bahia. Pela provincial de 9 de março de 1840, foi elevada a categoria de município com o nome de Minas Novas.
Foi o maior município do Estado de Minas Gerais. Do antigo município foram criados 65 municípios mineiros de hoje, entre os quais podemos citar: Teófilo Otoni, Nanuque, Araçuaí, Salto da Divisa, Capelinha, Itamarandiba, Turmalina, Leme do Prado. Fonte: Wikipédia

(...)

Isso é só pra dar-lhes uma ideia a qual mato estou me referindo.
Na verdade, o importante é que temos pequis e já tivemos marmelos, que a estrada para Diamantina era de terra e quando chovia, aquilo virava um “leguedê” pra sair ou chegar.
Que antigamente os urubus formavam esquadrilhas a esquadrinhar os céus sob as benesses das cordilheiras de ventanias que faziam o trabalho do voo sozinhas, planando as naves de graça (sempre achei urubu um bicho preguiçoso. Até pra comer fica à espreita e observa agourento. Só depois que o "dicumê"  tá morto é que se arrisca. Caçar??? Nunca).
Que as andorinhas apinhavam os fios da rede elétrica ao alvorecer...
Até que “um dia, no Fanado, quando o véu dos tempos se rasgou em raios e ventos, e o cordão de andorinhas que ao sol exibiam suas asas azuis ao longo dos fios vindos da Barragem se rompeu, um espalho de milhão de inocentezinhas pelas barrancas do "Becan" qualhou a terra. E no lugar em que cada uma delas se fundiu, pela força da corrente do raio misturada à fúria dos fios, nasceu um liriozinho espontâneo cor-de-rosa, o qual tinha na ponta de sua haste um tubérculo em forma de coração verde, embora já sem esperança”(1).

Mas é dai, desse lugar 220 Km depois de Diamantina onde nasceu meu pai, meu avô, de onde minha mãe saiu pra crescer a família em Belo Horizonte, de onde agora trago seixos. Irregulares, alguns mesmo sem brilho, como os que Benito Barreto uma vez trouxe da Capelinha de Guanhães para sua tetralogia “Os Guaianãs”.
Porém, não menos bárbaros, ou menores…
É meu rebento, meu grito xenófobo. O grito de um mineiro caminhante longe de casa que viu mundo e concluiu que nem Paris nem Londres, nem Budapeste, Tsurumi ou Wakayama, nem Chicago nem Amsterdam. Muito menos Barcelona.
É Minas meu mundo. É Guimarães meu grande sertão e é o cerrado minha geografia.
Mais importante que tudo, é um pequizeiro minha árvore vital!!!

Não foi à toa que Beto Guedes elegeu como logotipo de sua Editora Musical um pequi (afinal ele é de Montes Claros).
E eu ainda me delicio ouvindo “A Página do Relâmpago Elétrico” ou “Amor de Índio” em vinil e olhando de cima aquele pequi girando bem no meio do pick up, lentamente...

Muito ainda será dito…

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* (NA)
(1) Pedindo licença poética a Geraldo Mota (meu primo Lalau). Adaptação de texto seu postado no blog de sua irmã Elisa, http://negritudexpureza.blogspot.com/2009/08/bailado-das-horas-noturnas-em-minas.html.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Manifesto do Ministério da Verdade do BraSoc

Em época de Big Brother(s) campeão(ões) de audiência, nada mais apropriado que exaltar também o Ministério da Verdade.

"Conclamamos os Winstons de todo o Brasil: UNI-VOS!
Aprendamos a duplipensar, assimilemos a novilíngua.
Melhor, criemos a novilulíngua (que embora deva ser conceitualmente baseada na primeira, agregaria ainda o poder devastador das analogias rasteiras, molústicas, futebolísticas).
Reescrevamos os fatos e a história.
Transformemos os culpados de crimideia em Impessoas.
Punamo-los exemplarmente com o ostracismo e apaguemo-los de nossa gloriosa sociedade distópica.
Guerra é paz, Liberdade é escravidão, Ignorância é força (1)."

Reverenciemos pois, nosso guru em duplipensamento:
"A mentira tem perna curta”.
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(1) 1984 - George Orwell, 1949

domingo, 12 de setembro de 2010

Ética??? Ideologia???

A volúpia política atual enterrou de vez qualquer traço ético/ideológico das campanhas eleitorais. Já não faz sentido algum associar um partido a um ideário; e o "partidão" é sem dúvida o melhor exemplo disso.

Marco Antonio Villa, professor de história da Universidade Federal de São Carlos e autor de "Jango, um Perfil (1945-1964)" (editora Globo), previu isso em ensaio publicado na Folha em 22 de Março de 2005:
“A classe operária não foi para o paraíso, mas os líderes petistas foram. E como. Agora transitam com intimidade entre a plutocracia tupiniquim.
A história do PT incomoda o PT. Enquanto os velhos militantes abandonam o partido, os oportunistas preenchem com avidez as fichas de filiação. Não precisam mais da história ou de qualquer justificativa ideológica. A adesão é pragmática: querem cargos, poder e, se possível, alguma sinecura”.

Um antigo professor de Sociologia dos meus tempos de Newton Paiva, fundador do PT (Obs. : deixou o partido na década de 90, como qualquer "intelectual" fabiano que se preze), disse, também, o seguinte:
Minha tese é que possivelmente estamos vendo a substituição de uma geração excessivamente racional em nossa política nacional. Por conta do lulismo, a oposição só terá vez se for mais emocional, sanguínea, articulando projetos ousados e simples (não um rosário de proposta, mas uma idéia-força) que atraia a nova classe média e dê esperanças concretas que quem está na base da pirâmide social sairá em breve desta condição. Temas da agenda udenista só atraem a classe média tradicional. Nem os mais abastados se preocupam efetivamente com estes temas moralistas. O Brasil mudou e a oposição parece que não percebeu isto.
Que fique claro: precisamos urgentemente de uma oposição forte e popular no Brasil. Caso contrário, o neo-getulismo cumprirá o que o getulismo não conseguiu finalizar.” Rudá Ricci, Sociólogo, Mestre em Ciências Políticas e Doutor em Ciências Sociais.

Pragmático por excelência, até porque sua amplitude intelectual/ideária é circunscrita apenas a seu próprio carisma (nunca ouviu falar de qualquer coisa que demande estudo ou leitura), sua excelência - a cereja, quero dizer, a estrela do partido - é um exemplo da promiscuidade política atual.
Atrelado a um projeto cego de perpetuação no poder e adepto descuidado de Maquiavel (nunca leu “O Príncipe”, though), mutila e despreza a constituição, desdenha leis e instituições, justifica os meios citando os fins.
Pobre de quem cruza seu caminho, será inevitavelmente vítima do aparelhamento e corporativismo partidário da república e da máquina estatal. Terá de levantar a voz solitária e quixotescamente, e esperar ser ouvido em meio à adulteração de provas, invenção de documentos, bodes expiatórios, desaparecimento de fitas de vídeos dos sistemas de segurança, "togas amigas" e mentiras... Muitas mentiras.

Não me lembro na história recente de nenhum presidente / cabo eleitoral mais eficiente que squid. E o projeto é ambicioso: de cima de sua indefectível popularidade, empresta sua cara a candidatos ao Senado (onde provavelmente fará maioria eliminando os opositores de hoje) e aos Governos Estaduais. Proporciona negociatas políticas das mais improváveis, se olhássemos o partidão de 30 anos atrás: apoia Collor em Alagoas, Sarney no Maranhão, Renan Calheiros ao Senado por Alagoas e Waldez Góes pelo Amapá. Esse... esse mesmo que foi preso na Sexta-Feira (10) na Operação Mãos Limpas da PF.
Claro que a tropa de choque cuidará de eliminar os vestígios de mais esse percalço. No final, pode até ser que Waldez receba indulto e retratação pública pelo reles desvio de mais de 300 milhões. (Do PC pra cá as cifras foram sendo banalizadas. Nesse ritmo, antevejo para breve cifras na casa dos trilhões saudadas pela  especializada corrupção nacional).

No entanto, isso deveria ser suficiente para qualquer pessoa de bem reconsiderar o lulismo, ou pelo menos pesquisar, questionar e muito provavelmente abandonar a nau cheia de ratos. Afinal, todos nós (falo de nós, pobres mortais, eu e provavelmente você. Tire a maioria dos políticos fora disso) sabemos o que é honestidade.

Quer uma prova? Imagine uma carteira recheada com notas de cem - com a identidade e o endereço do proprietário - caída na rua. Seria honesto apropriar-se do conteúdo de valor??? Agora imagine que foi VOCÊ quem perdeu a carteira!!!
É... Todos nós sabemos o que é honestidade.

(...)

O lulismo só ainda não conseguiu ser pior que a oposição atual. Essa vence qualquer concurso de incompetência, e não dá pra enumerar quantas trapalhadas são capazes de fazer.
Mas continua a me incomodar que gente boa ainda tente justificar toda essa sujeira. Não sei se depois de traídos pelo partidão transformaram-se em sectários (e ai não há necessidade de justificação, é mais uma profissão de fé... Usem Tiago em 2.21,24,25 e juntem-se aos pastores das igrejas picaretas. Todas!), ou se estão apenas à espera de alguma sinecura. Mas é preocupante que gente pensante - que deveria pensar - apenas trate política como um jogo de futebol, onde derrotar o adversário é o fim em si mesmo.
Não se trata da situação e dos contras, todavia. Não deveria ser tão simples. Trata-se de para onde queremos ir depois de tudo isso.
Ou viramos todos pragmáticos, ignorantes, sem ética ou ideal, ou exigimos algo mais.

Cito Hannah Arendt como mais um argumento de autoridade:
“(...) O maior perigo de reconhecer o totalitarismo como a maldição do século* seria a obsessão por ele, a ponto de gerar cegueira em relação aos numerosos males menores e não tão menores assim que pavimentam o caminho para o inferno.” Essays in Understanding, p.271-72

Pra terminar provoco com uma pergunta: se os fins justificam os meios, o que exatamente justifica os fins???

Pensem...pensem...

*Século passado (NA).

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

"Um salve" pro imortal.

A leitura em mim é um ato nômade: as vezes se instala por um bom período e até parece que veio pra ficar. Noutras vezes, deserta emburrado, macambuzio, fugindo pelos fundos como acometido por um tédio mortal. Aliás, o Francis dizia que o tédio é como a morte. E plagiando o "sweet prince", digo que por vezes "estou tecnicamente morto" (bored to death).

(...)

No momento, em franca recuperação da ressaca de um desses períodos de tédio, estou lendo 4 livros, ao mesmo tempo. Isso mesmo. E aqui um adendo matemático: mutuamente exclusivos (vide probabilidade, meu chapa).
Bem, de Kingsbridge mergulho nas Minas de Carvão pelo caminho de Wigan Pier. De lá para a nata intelectual da Europa em meados do século passado onde cruzo com Koestler, Sartre, Camus, Primo Levi, Arendt...tudo num livro só. Salve Judt.
Mas Russell às vezes me puxa de volta para os Ensaios Céticos.

Fascinante. Ler é isso. Uma viagem!!!

Nesses tempos de cultura rasa, delivery, onde dragados pelo imbecilismo temos a impressão de que qualquer discussão mais elaborada nos estigmatizaria como aberrações de circo, ou nos ridicularizaria em 3D, High Definition, via satélite pelas lentes e agentes do pânico televisivo, as coisas ainda podem piorar.

Pois, reajamos!
Eu sei, Sarney é imortal e Collor é da Academia Alagoana de Letras... Só pelos discursos que fez (pelo menos é da alagoana).
Mas sejamos bravos, leia assim mesmo, e esqueça deles. Ah, e do mago também.
Leia tudo, até bula de remédio... menos eles... e a Carta Capital.
O Millôr prometeu(ou deveria) viver o suficiente para substituir o Dono do Mar (do Maranhão) resgatando um pouco da nobreza da literatura (e da academia).
O "morto rotativo" deveria ir em paz logo. E embora o "homi" tenha dito o contrário, EU repito Millôr:
"Em que exato momento histórico nossa ignorância passou a ser virtude cívica?"