Eram 3 da tarde, domingo enfadonho, como são enfadonhos quase todos os domingos, dia escolhido para nossa expiação, depressão e reza. Resolvi evitá-lo no calendário criando um duplo sábado que desembocaria na segunda, sem domingo, sem reza.
A rebordosa provocada pela falta de regras do dia anterior sempre um agravante subliminar, nas segundas.
"Preto na folhinha", ainda ouvia essa ode à ética do trabalho proferida aos quatro cantos por gente que lhe oprimiu, a coação pela diferença, pela exposição da qual era objeto num círculo ao qual não pertencia, mas que habitou, porém. O sentimento de culpa, os olhos de recriminação deles todos a considerá-lo um pária, um ET, uma aberração por não compactuar da mesma crença (hoje sei que hipócrita e efêmera), perdido. Tinha dezenove.
Essa gente se desfez. Em minha vida, em suas vidas, no trabalho, em suas famílias, em quase tudo. Não poderiam mesmo dar certo, subverter tudo a uma verdade circunscrita àquela frase asquerosa, odiável. Convicto gritava consigo mesmo, em silêncio, os dias podem ter todas as cores, desde que não o maldito "preto na folhinha"!!! E continuava.
Sei que estava certo, antes influenciado pelo 'Elogio ao Ócio', do Russell, e desde sempre mais afeito ao 'ócio criativo', como De Masi.
Construiu família, não permitiu que se dispersasse, não em nome de algo abstrato, a serviço de sei lá eu quem, e nem pra quê. Não perdeu nem abdicou da música, da poesia, do gosto pela vida. O trabalho é só trabalho, e isso é tudo.
A fé em orações desaparecida há muito, confrontada pelo ceticismo e admiração pela ciência, pela realidade palpável, factível, onde vivemos, amamos.
Já àqueles coube outra busca, na alternância de crenças, na roleta russa frenética por algum sentido em suas vidas, a ânsia por um lastro que mostrasse-lhes o caminho.
Vazias, enumeraram religiões, seitas, o trabalho, status, as posses, esquecendo do óbvio, ali a seu lado, reais, os seus.
"Almas sebosas". Não sei se encontraram(ão) a paz.
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