A desconfiança na política não é exclusividade brasileira. De Paris a Budapeste, de Washington a Bangkok, Londres a Tóquio, nunca ouvi ninguém isento defendendo político. Quando muito, a defesa vinha sempre do mesmo, de amigos ou cúmplices do mesmo ou dos advogados contratados para livrá-lo de "pequenos" constrangimentos ilícitos - uma improbidade aqui, uma propina ali, tráfico de influência acolá, nepotismo, etc. etc. etc.
E pior, a conta sempre debitada à nação.
Corrupção inerente, descaso colateral, egoísmo congênito parecem ser comuns à raça.
E hoje posso garantir, o resto do mundo pensa mais ou menos igual.
Russell, nos 'Ensaios Céticos' (a maioria escritos nos anos 20) brindou-nos com sua mordacidade e argúcia habituais. Do capítulo 11, 'A Necessidade do Ceticismo Político', trago (como prometido antes) o seguinte:
"Um ceticismo político é possível; psicologicamente, significa concentrar nosso antagonismo contra os políticos, em vez de voltá-lo para nações ou classes sociais.
Uma vez que a hostilidade não pode ser eficaz, exceto com a ajuda dos políticos, o antagonismo do qual são objetos pode ser satisfatório do posto de vista psicológico, mas não causa dano social. Eu sugiro que isso coroe as condições da aspiração de William James a uma "moral equivalente à guerra". Na verdade, esse fato relegaria a política a canalhas óbvios (isto é, pessoas de quem não gostamos), mas poderia representar um ganho. "
Em outros dois trechos do mesmo capítulo ele diz:
(1) "A concepção de um político "honesto" não é como um todo simples. A definição mais tolerante é de que as ações políticas não são ditadas pelo desejo de aumentar a renda pessoal. Nesse sentido, Lloyd George é honesto. O próximo estágio seria o homem cujas ações políticas não fossem determinadas para assegurar ou preservar seu poder mais do que por motivos pecuniários. Nesse aspecto, lorde Grey é um político honesto. Vejamos o último e o mais estrito sentido: aquele que, em suas ações públicas, não é apenas desinteressado, mas não se encontra muito abaixo do padrão de veracidade e honra implícito entre conhecidos. Desse ponto de vista, o falecido lorde Morley foi um político honesto; pelo menos, ele foi sempre honesto e um político, até que sua honestidade o afastou da política".
(2) "Além disso, um político honesto não será tolerado por uma democracia salvo se for muito inepto, como o falecido duque de Devonshire; porque só um homem bastante tolo pode honestamente compartilhar os prejuízos impostos a mais da metade da nação. Portanto, qualquer homem capaz e com talento político deve ser hipócrita para obter sucesso na política; mas ao longo do tempo a hipocrisia destruirá seu espírito público".
Concordo em sarcasmo, ceticismo e indignação.
A democracia continua sendo sim a melhor opção que temos até agora, embora encerre a contradição intrínseca de ser ao mesmo tempo sua glória e a própria ruína.
Nas últimas eleições, a política aqui foi mero exercício de torcidas organizadas. Ao que tudo indica, em breve teremos torcida única.
Proponho então que adotemos a sugestão russelliana e concentremos nosso antagonismo/energia e asco na classe política, como um todo. Quem sabe assim, no próximo "jogo", talvez só vençam por W.O.
Política não é tênis, eu sei, mas imputar-lhes uma vitória de Pirro é meu sonho de consumo ultimamente. Seria bom mostrar-lhes que nem todos somos palhaços.
Ademais, comparar tênis com política só faz mal à imagem do... tênis... é claro.
PS No capítulo 12, 'Livre-Pensamento e Propaganda Oficial', mais pérolas do prêmio Nobel de literatura de 1950.
Incrível como seus ensaios continuam tão atuais depois de mais de 90 anos.
Não resisto e repito Millôr, então: "Enquanto Lula só fala no futuro, nós aqui repetimos: o Brasil tem um gigantesco passado pela frente".
Nenhum comentário:
Postar um comentário