quarta-feira, 6 de julho de 2011

A Mulher Visível

Há tempos Olavo havia capitulado sob a pressão dos caprichos da mulher cuja ascendência e autoridade pontuaram todos os conflitos entre eles no passado. Ademais, Luana nunca fora mesmo respeitosa com a individualidade do marido. Nem que não tivessem casado na Igreja e não fossem ambos de formação católica, ela ainda pareceria petulante e invasiva, levando ao fim e ao cabo o “já não são dois mas uma só carne[1] da liturgia matrimonial.
Era traço que talvez tivesse herdado do pai, de um tempo em que sua mãe era apenas a mulher, dona de casa, mãe, serviçal, sem voz ou voto diante de um marido carismático, dominador. Assistiu durante toda a infância, a mãe submissa, naturalmente anulada pela grandeza de um pai onipresente.

Nem bem entendia o porquê não ter tido o mesmo tratamento. Ao contrário, caçula entre 5 filhas, recebera a benevolência indivisível da escolha. Era a "preferida", causava furor e inveja entre as irmãs.
As rusgas duravam pouco, todavia.
Se amavam, acima de tudo.

O pai, se foi aos 48, alvejado de tocaia no alpendre do casarão por jagunço silencioso, derradeiro, um infarto fulminante. A palha ainda em brasa caída ao lado de sua mão direita. Não houve tempo para providências. Só para lágrimas.
A mãe enlouqueceria de tristeza anos depois.
Era agora só um fantasma no sanatório. Sem luz, sem vontades.

Anos mais tarde, já mulher, vingaria a mãe da castração paterna - se por idolatria ou pelo contrário, não sabia bem. Fazia isso na figura de um eleito. Um homem, seu marido, pra sempre o cordeiro de sua expiação.
Porém amava-o. E a recíproca, verdadeira. Como não seria? Absolutamente irresistível, mesmo do alto de seus hoje 39 anos. Inteligente, lindíssima, ainda mais linda que antes - talvez as poucas rugas e a tez madura tenham lhe proporcionado o ar de superioridade que naturalmente expirava, inspirando nos homens - ao contrário - a vocação para a subserviência, o rogo por seu corpo, lábios, língua, libido, sua atenção. Sensualíssima, proprietária consciente de seu magnetismo, trafegava ao mesmo tempo natural e demolidora.
Não exigia nada. Nem com atos nem com palavras. Talvez sua silhueta? Seu cheiro, talvez?
Invariavelmente atendida, uma sereia a enfeitiçar os que cruzavam seu oceano.

Olavo não era exceção.
Sim, era! O único homem a também embebedar-se de seus arroubos de amor e libido, de sua lascívia imprevisível, ali, coadjuvante de uma protagonista dominadora obcecada, perfeccionista, que o levaria infalivelmente ao extremo prazer, do amor, do sexo.
Desistira de contrariá-la, enfim.
"Freud tinha razão", sofismava estóico e feliz.

Não tinha amigas regulares. Não poderia. Mulher nenhuma se atreveria a duvidar de seu poder inebriante. Algumas já haviam sido também vítimas dele. Fisgadas.

Pior... não havia espaço para represálias ou julgamentos. Nunca dera razões para ciúmes ou desconfianças. Retidão cortante. No fim, não podia ser repreendida ou confrontada apenas por ser ela mesma, existir. Não era culpa sua.

Olavo não negava tal poder. Sabia dele perfeitamente. Ouvia dos outros, aqui e ali. Porém, não se incomodava. Não havia razão para aquilo. Não por ele, mas por Luana. Ela sim, capaz de refutar toda e qualquer indiscrição ou desvario.
O fizera inúmeras vezes, já. Todas sob a redenção do culpado, subjugado, humilhado, doente... de amor.

Homens, mulheres, todos invisíveis perto dela. Só ela... sempre ela. La Belle de Jour. Visível...

"(...) Vem me fazer feliz
         Porque eu te amo
         Você deságua em mim
         E eu oceano
         E esqueço que amar
         É quase uma dor..."[2]

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[1] Mt 19, 6
[2] Oceano - Djavan

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