terça-feira, 20 de setembro de 2011

"Entre um Silêncio e Outro"

Trouxe comigo um turntable (o velho e bom toca-discos) da última vez que estive fora.
Isso voltou a ser moda por lá a ponto da versão em vinil de um CD ser encontrada facilmente até nas prateleiras da Best Buy, all over the US. Talvez seja mesmo o prelúdio do fim, o último suspiro da exploração comercial de ambas as mídias depois do formato MP3, ou simplesmente a abertura de nicho para colecionadores e nostálgicos em geral... Sei lá.
Embora hoje em dia não haja quase nada que não possa ser "ripado" ou convertido usando um computador e um software - óbvio, considerando que você é um geek ou alguém com menos de 16 anos -, converter meus VHS's e vinis sempre foi uma daquelas tarefas relegadas a "algum dia". Com efeito, não sou um geek e passei pelos 16 ainda nos anos 80. 
Eis então que meus LPs, pedaços da trilha sonora da minha juventude, ficaram anos como relíquias vintage escondidos em prateleiras de algum armário em casa.

(...)

É sabido que memórias que incluam lembranças de odores tendem a ser mais intensas e emocionalmente mais fortes. Um odor que tenha sido encontrado mesmo que só uma vez na vida, pode ficar associado a uma experiência marcante e evocar a memória dela automaticamente, quando reencontrado. E a primeira associação feita com um odor pode mesmo interferir com a formação de associações subsequentes, numa espécie de "indução proativa".
Pelo menos é o que diz a ciência.

Tião, um irmão que se foi, sabia disso e destilava requintes ao descrever experiências e lembranças ao sabor de sua memória olfativa, tornando-as muitas vezes, reminiscências quase palpáveis. Fazia isso sem nunca ter lido 'Perfume: The Story of a Murderer' do escritor alemão Patrick Süskind ou visto a adaptação para o cinema estrelada por  Ben Whishaw.

Já eu, acometido de sinusite crônica, depois de anos padecendo desse mal fiz foi perder parte de meu olfato.
Minhas memórias sempre couberam melhor sob a trilha sonora de algum LP. Se por gosto ou efeito colateral de um faro ruim não sei, "só sei que foi assim".

(...)

Então hoje, vasculhando o pequeno acervo de vinis que ainda tenho em casa, saltou-me da pilha 'Entre Um Silêncio e Outro', do Marco Antônio Araujo, 1983.
Da época em que a capa do disco era espetáculo à parte, reproduzo na íntegra o texto da contra-capa e me assombro com sua atualidade.

'A constante conscientização provocada pelas situações em que a vida nos coloca, por motivos que não cabem aqui discutí-los, justificá-los, glorificá-los ou lamentá-los, é o ponto de partida para a análise da coerência das nossas atitudes.
É óbvio que tais vicissitudes e situações são tão várias como vários somos nós.
Daí posições calcadas em argumentos "coerentes" quanto às relações com o bem, o mal, o absurdo, a razão, a justiça, a injustiça, a ciência, a arte. É a luta pela imposição de conceitos travada pelas tendências no sentido de subjugar umas as outras impondo seus pensamentos e objetivos. Daí o nascimento do poder que se estabelece oferecendo possibilidades a seus apaniguados, e marginalização ou aniquilamento aos que resistem em suas posturas independentes ou libertárias.
É o poder, legião exploradora dos indecisos, indiferente às propostas sobre as quais não pode usufruir no nível de sua ganância e, favorecendo a segundas-intenções; atos ocos com objetivos que não eles mesmos; aceitações passageiras dependentes do transitório fabricado e inconsequente; mentiras que deturpam o conceito sagrado da criação.

Mas existem os atos de primeira intenção. Feitos da necessidade íntima de serem criados, tão naturais quanto o alimento e a água que nos permite viver: o ideal do artista entre um silêncio e outro.'
Marco Antônio Araújo

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