segunda-feira, 2 de abril de 2012

O perigo mora ao lado... o arriba, o abajo.

Morar em prédio te passa a falsa impressão de maior segurança (...ninguém nunca combinou nada com os ladrões, combinou?).
Ratifico falsa porque prédios que não dispõem de portaria 24H,  como o meu, dependem basicamente de gadgets eletrônicos e mecânicos, ou mais importante, da consciência solidária dos moradores. E é justamente ai que a vaca vai para o brejo.

Manter uma porta fechada - depois de atravessá-la, claro - ou certificar-se de que o portão eletrônico fechou antes de arrancar o carro e desaparecer na esquina parece mesmo ser tarefa titânica. Pelo menos levando-se em conta o número de vezes que me deparei com a porta de entrada aberta - quando não com o portão para a rua -, sem falar da vez em que o portão eletrônico pifou permanecendo aberto por horas sem que vossa excelência, o motorista, se importasse se Alibaba e os quarenta ladrões já estivessem a tomar o prédio num arrastão relâmpago diante da facilidade de acesso propiciada por ele.

A preguiça, falta de civilidade ou burrice congênita parecem impingir a lei do mínimo esforço, relegando até mesmo uma mera verificação visual ao status de tarefa mundana, abaixo das prerrogativas de nobreza de vossa majestade, o ilustríssimo morador motorista.
Mundo fascinante esse.

Isso sem falar da impessoalidade com que atos como a retirada do lixo nos finais de semana - folga da faxineira - transforma-se em pesadelo para o ignavo sujismundo morador.
Vejo com frequência sacos de lixo espalhados a esmo no depósito de lixo da garagem, denotando que a desídia do fanfarrão morador abstém-no até mesmo de abrir o latão para depositar suas sobras. O saco é deixado ali mesmo, indecentemente do lado de fora (duplo sentido? Você suporta. Já tá bem grandinho...).

Mas a garagem, de longe o mais polêmico assunto dos condomínios, daria pano para um livro.
Temos o uso indiscriminado de sua vaga pelo namorado da prima do folgado morador do segundo andar, que quando solicitado a retirar o veículo que bloqueia sua saída e causa seu atraso, sai invariavelmente com a nefasta justificativa dos 3 minutos, aqueles exatos 13 ou 23 minutos que te farão chegar atrasado para uma reunião no escritório.
No entanto, caso queira um dia devolver a gentileza e bloquear a vaga do estimado morador do segundo andar, ouvirá indubitavelmente um sermão, além de ter de engolir cobras e lagartos; a menos que decida sair para as vias de fato com o subitamente digno e indignado morador.
É traço comum dos espaçosos não aceitarem em hipótese alguma exatamente o que infligem aos outros sem a menor cerimônia ou culpa.

Dos barulhos já nem falo mais.
Será que o vizinho do andar de cima é alguma espécie de Hannibal Lecter ou Dexter e também gosta de usar seu cutelo, bisturi e outros mimos em algum corpo desavisado? Ou seria apenas o próximo Christian Louboutin testando sua nova coleção de high heels numa passarela improvisada exatamente em cima do meu quarto?
Mas que raio de aparelho elétrico urra todas as vezes que tento tirar uma soneca? Seria meu vizinho um cientista especialista em nonotecnologia que teria inventado o primeiro replicador além daquele fictício da Star Trek? Bom, ai até poderia me sensibilizar com a nobreza de sua causa: aplacar a fome do mundo através da manufatura molecular, produzir verdadeiros banquetes a partir ... do nada (e a luta de classes, toda aquela baboseira sobre meios de produção e proletariado seria mais uma vez reduzida à ciência de DCEs). Ou talvez o vidente converse com fantasmas a noite inteira.
Mas não descarto a possibilidade de que seja apenas o mestre de bateria da Unidos Dos FDP que mora ali no andar de cima. E o infeliz nem sabe fazer as paradinhas inventadas pelo mestre André.
Sei lá. Sei apenas que após algum tempo considero me mudar para uma casa solução plausível.

Mas como também sou um pessimista patológico, talvez fosse melhor naufragar em alto mar, ali pelos lados de Bali, e bater em uma ilha deserta paradisíaca.
Ali criaria finalmente meu próprio universo, e viveria como o novo Robinson Crusoe de Defoe, sem as mazelas vividas por Harrison Ford em The Mosquito Coast.
Mas para tanto, será que meu vizinho me ajudaria com máquinas nanoscópicas montadoras e me emprestaria seu replicador?


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