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Um cérebro no estômago... as sombras... faziam um estranho sentido. De alguma forma, aquilo explicava sua melancolia crônica trazendo-lhe certa paz, resignada.
A ausência de sua imagem refletida nos espelhos ou a imagem de outrem no lugar não o incomodavam mais. Não tinha mais ideia de como havia se parecido, nem mesmo uma memória residual nesse caso. Um vampiro, ou talvez a bala no crânio como em Winstom e o grande irmão, sua distopia.
Andava sem pensamento próprio na maioria do tempo, apenas atormentado aqui e ali por epilépticos takes como cacos de memórias que desconhecia, como se suas não fossem. Ainda ouvia do fundo da cabeça uma chamada estranha a susurrar-lhe frases, "All's well that ends Wells"[1], nomes... Pavlov, Watson.
Embora vivesse ao sul do equador, nos trópicos, e de ter o sol como parceiro e autor de temperaturas médias perto dos 26 graus, sua perspectiva doente turvava a beleza da cidade no lúgubre e úmido universo russo de Fiódor, Franz, os únicos autores cujos livros ainda faiscavam suas remotas e esporádicas lembranças.
Dai estar sempre de blusa, independente da temperatura...
Lá fora o mundo sempre o mesmo, como se dias, meses e até anos não medissem mudanças, apenas uma contagem insossa e desnecessária. O suor, a pele oleosa. As sombras... seu cérebro talvez no estômago, como Gregor Samsa, só que bípede, indo ao trabalho todos os dias, autômato, como todos.
"Como um cão" [2].
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Figura: Gregor Samsa | Calibre Cultural
calibrecultural.wordpress.com
[1] H. G. Wells, "Dr. Wells", Escritor britânico e socialista utópico, cujo livro Men Like Gods foi um incentivo para Admirável Mundo Novo. Huxley escreveu em suas cartas: "All's well that ends Wells" (claro jogo de palavras utilizando o conhecido provérbio "Tudo bem quando termina bem" utilizado também por Shakespeare como título de uma de suas peças) para criticar Wells por seus pressupostos antropológicos ao qual Huxley achava irrealista. Fonte: Wikipédia
[2] O Processo - Franz Kafka, 1925
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