Para Tusta... pai segundo.
Entre
nossa penúltima e última vez muita coisa mudara. O pomar, a
horta, as flores, a grama, as novas construções da fazenda.
No
entanto, duas permaneceriam perturbadoramente inertes, soltas em nossa
órbita como se 1 ano, 365 dias não fossem suficientes para
transladar um estado de espírito, trazer o inverno de uma opinião do estio...
A
primeira fora definitivamente nossa perspectiva dicotômica acerca de
nossas escolhas... racionalismo ou fé, realismo ou idealismo,
multiculturalismo ou antropofagia, xenofilia ou chauvinismo,
conservadorismo ou progressismo...
Nesse
ponto, considerei - como de costume - positivos nossos embates.
Afinal, lembrando o bendito "maldito" Itamar Assumpção cheguei
até mesmo a cantarolar mentalmente,
"(...)Aprendi
que viver cansa, mesmo vivendo na França
Mesmo indo de avião
Aprendi que a desavença é por que sempre alguém pensa
Que ninguém mais tem razão
Aprendiz de feiticeiro
Aprendiz de feiticeiro
Aprendi que tudo passa, tomando chá ou cachaça
Tomando champanhe ou não..."
Aprendiz de feiticeiro
Aprendiz de feiticeiro
Aprendi que tudo passa, tomando chá ou cachaça
Tomando champanhe ou não..."
Diferenças
eram naturais e pautariam para sempre o que nos tornava... indivíduos, únicos.
Porém,
a segunda despertara nele a mesma reação, a mesma dor de um ano antes.
Abateu-me...
(...)
Nada
sabia... nem nutria pretensão alguma de tornar-me um cordeiro de Deus como
minha mãe... fosse por mérito ou
arrogância. Ao contrário, soubera sempre foi da miopia e
insignificância que me perpassavam, ainda que fizessem de mim não mais que um
errante crivado de dúvidas. Desconfiava mesmo ser capaz de remir os erros
todos, um dia.
Ainda
assim, num rompante indignado, eximi-o da culpa asfixiante, da dor
que carregava pelo desacerto do qual não fora a causa nem o meio, da
responsabilidade, enfim. Fazia isso ainda que soubesse ser ninguém
autorizado a remir vícios, reaver almas cansadas, combalidas. Naquele
instante, absorvia sua dor, digeria sua culpa e sabia, não a merecia... Não
aquela, disso tinha certeza.
Lembrava
ao mesmo tempo que tal sentimento fizera de minha mãe um zumbi insone,
mera escrava autoencarregada da expiação dos pecados do "mundo"
- ou dos outros. No entanto, com ela qualquer diálogo teria sido absolutamente
impossível.
Sabia...
Até certo ponto, todos somos responsáveis por nossas escolhas.
(...)
Não
citando o autor, retirando assim a possibilidade de julgamento ad hominem,
enviei-lhe a missiva e pedi que lesse.
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Thomas
Sowell dizia: “Nunca entendi por que é ‘ganância’ você querer conservar o
dinheiro que ganhou, mas não é ganância querer tomar o dinheiro dos
outros.” Mutatis
mutandis, a obrigação moral que os ricos têm de ajudar os pobres,
mesmo quando seja tomada em sentido absoluto e intransigente, não implica
jamais que os pobres tenham o “direito” de ser ajudados.
Todo
direito de um implica obrigações para algum outro, mas nem toda obrigação que
pese sobre alguém gera direitos para quem quer que seja.
A
razão disso é simples e auto-evidente: toda e qualquer obrigação moral ou legal
é relativa porque limitada à disponibilidade de meios, ao passo que um
“direito”, uma vez consagrado, é universal e incondicional. Decretado que os
pobres têm “direito” à ajuda estatal ou privada, a simples inexistência dos
meios de ajudá-los se torna automaticamente algo como uma ilegalidade ou um
crime, e a sociedade inteira, quanto mais pobre, tanto mais merecerá o rótulo
de criminosa, de modo que a pobreza de uns será uma espécie de mérito e a de
todos um delito abominável. Se isto está muito sintético, analisem e verão que
é certo.
Da
incompreensão dessa obviedade deriva a noção monstruosamente perversa de que
uma sociedade onde haja pobres, ou muitos pobres, é uma “sociedade injusta”. Em
princípio, e à luz da razão, toda obrigação moral ou legal está condicionada à
regra áurea do Direito: Ad
impossibilia nemo tenetur, “ninguém é obrigado ao impossível”. Por
isso mesmo a obrigação de ajudar os pobres não dá a estes nenhum direito de
exigi-la. A absurdidade dessa exigência aparece nítida no delírio de Luís da
Silva no romance Angústia de
Graciliano Ramos:
“Há
criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que eles
cresceram muito, e, aproximando-se de mim, não vão gemer peditórios: vão
gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa.”
E
Luís da Silva não é nenhum burguês atemorizado ante a revolta dos infelizes. É
ele mesmo um pobretão ressentido, sem dinheiro para o aluguel. Só no mundo das
alucinações a pobreza é, por si, fonte de direitos.
Antigamente,
até os marxistas compreendiam isso. Julgavam que o proletariado industrial
tinha o direito de expropriar a burguesia não pelo simples fato de ser pobre,
mas por ser o criador material da riqueza social. A horda de miseráveis
improdutivos, o Lumpenproletariat,
não lhes merecia senão desprezo. É o óbvio dos óbvios: ninguém se torna um
“expoliado” pelo simples fato de estar sem dinheiro. Para ser um expoliado é
preciso produzir primeiro alguma coisa e depois ser despojado dela
injustamente. Como o proletariado se recusou a aderir às revoluções, os
teóricos do marxismo promoveram a escória lumpenproletária ao estatuto de
credora universal e portadora, ipso
facto, da autoridade intrínseca das virtudes morais faltantes ao
resto da sociedade. Daí ao endeusamento dos delinqüentes o passo é bem curto.
Da
insensibilidade a esses fatos vem a noção de “dívida social”. Qualquer
candidato que proponha a sua eleição como o pagamento de uma dívida social é,
com toda a evidência, um charlatão do qual não se pode esperar nada de bom. Se
a dívida existe e é social, não pode ser jamais resgatada mediante pagamento a
um só indivíduo. O fato mesmo de que este se apresente como credor simbólico,
herdeiro e resumo vivo de várias gerações de interesses lesados, já mostra que
se trata de um vigarista, pois nem aceita pagamento simbólico nem tem como
repassar o pagamento efetivo aos credores defuntos de cujo crédito se apropria
indevidamente.
Todo
eleitor em seu juízo perfeito deveria pensar nisso antes de votar em tipos como
Luís Inácio Lula da Silva ou Barack Hussein Obama. Mas, tão logo a pobreza se
torna fonte de “direitos”, é inevitável que o carreirista desprovido de méritos
próprios se invista de prerrogativas imaginárias derivadas da pobreza alheia,
impondo-se como recebedor único da “dívida social” -- um vigarista elevado à
segunda potência. [1]
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Ao
final pontuei: sabia que não negaria ajuda... nunca. Como minha mãe,
permaneceriam pra sempre subjugados ao sangue e ao fervor cristão... ou ao
superego. Aquilo dava-me certa inveja até, afinal, nunca tivera tal pretensão,
preso à minha insípida pequenez mundana.
Sabendo
que a culpa não lhe cabia, cabia menos ainda em minha mãe, pedi-lhe que se
livrasse dela, que voltasse por mim a procurar o lobo guará da mata, cuja
presença não sentia mais ali.
Era
aquilo ou eu mesmo me afogando em culpa, sem beira, incólume como se tivesse
apenas uma pedra no peito.
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[1] Olavo de Carvalho
[in: Duas Notas], Diário do Comércio, 8 de janeiro de 2013.