sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Tranquill Buzz Coffee



Num voo de El Paso a Houston, depois de visitar meu filho em Silver City, observo a cidade sob os holofotes da lua cheia a trinta mil pés de altura de meu lugar na arquibancada do avião.

El Paso pareceu-me mais bela dessa vez. As montanhas no entorno da cidade lembrando-me a serra do Curral, só que ao invés de Belo Horizonte, ELP deitada no vale.

ELP é o acrônimo do aeroporto da cidade, e, nem tão coincidentemente assim, o nome da minha banda preferida de progressivo da década de 1970.

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Keith Emerson matou-se em 2016, com um tiro na cabeça. Tinha setenta e um e não mais a destreza e virtuose que fizeram dele uma lenda. Tal infortúnio, talvez relacionado à sequela de um acidente de moto e à idade, tiraram dele a alegria deixando porém a alma de músico. Essa incompatibilidade levou-o à depressão, ainda que permanecesse para sempre o ‘E’ do ELP - Emerson, Lake and Palmer. Mas não interessa mais, Keith se foi. Não gosto mesmo de imaginar o motivo. Nem sei se algum motivo justificaria tal viagem, e nem quero saber.

Talvez Torquato já soubesse. Porém calado há tempos, veio nos contar somente depois de Edu musicar ‘Pra dizer adeus’, quando já era tarde...

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Zeca e eu estivemos em um café em Silver City hoje à tarde. Como em Venice Beach, na Califórnia, a cidade também um reduto de hippies cabeludos sexagenários. Mas diferentemente da praia da costa oeste, velhos zen enfronhados em livros, música, natureza, artesanato, vida simples e alguma marijuana. Assim é o Tranquil Buzz Coffee House, onde lendo-se stressed ao contrário pede-se na verdade uma das deliciosas opções de desserts da casa.

Em Los Angeles, tudo visível demais, estereotipado demais, ripongas pra turista ver na beira do mar da Califórnia (“garota eu vou pra Califórnia...”).
Se Silver City é raiz, Venice Beach hoje é Nutella premium. Seria como comparar BH e o jazz e progressivo rural do Clube com o axé asfixiante da Bahia, a despeito do passado com The Doors e a geração Beat (1950 e 1960). Foi-se.

Ai me lembro de um ex-namorado de uma amiga (Fernando?) que durante um carnaval em Salvador, de abadá e o diabo, estancou subitamente no meio daquela torrente e perguntou-se:
 - que diabos estou fazendo aqui?
Lembrou-se pois foi de Zé Henrique cantando de cima de um caminhão improvisado “atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu...”, de nós descendo a Marechal atrás do Trio em direção ao largo do Sobrado de Mário em Minas Novas... e consumido foi pela saudade.

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Pensei no velho hoje de novo. Deixei seu neto outra vez mas sei que não sozinho. Os anos se passam e as comparações são inevitáveis. Reminiscências, memórias feito um caleidoscópio de lembranças, momentos.
E a lua cheia lá fora da janela “como um sonrisal num copo”, diria Inô (ex-comunista, como a China) numa daquelas férias no Vale que impossíveis de esquecer.

Envelhecer é perigoso...

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Mustangs


Meu pai se foi em 2012. Não me agrada lembrar a data, rever a dor. 

Meu filho recebeu seu nome... antes, muito antes de um câncer intrujão tirá-lo de nós. 
Lembro-me que primeiramente queria Francisco, Chico Chicão, como na Gabriela de Walter Durst. Porém topei com a oposição maciça da família e da mãe, da qual não poderia mesmo me esquivar. Dai veio a cartada derradeira, chamar-se-ia ZéMota, como o avô. A mãe rendeu-se de imediato, sem resistência, nem mesmo escondeu a satisfação. Afinal, tinha jogado pesado, um xeque-mate de mestre.

Lembro também de como contei ao velho. Chegando da rua, entrou pela porta da cozinha e perguntei:
Sabe qual será o nome do seu neto?
- Qual?
- O seu.
Driblou-nos emocionado e dirigiu-se ao quarto onde provavelmente ninguém o veria chorar.

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Logo depois que nasceu deixou-nos no hospital e incumbiu-se compulsoriamente de registrá-lo no cartório. Pegou o laudo médico e voltou com a certidão de nascimento onde seu nome constava duas vezes: ZéMota Neto registrado por ZéMota.

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É 2017. Um novo Agosto. Estamos em Silver City, Novo México. Outro dia 6, uma Segunda-Feira, cinco anos depois. 
Há cinco anos meu pai se foi. 

Agora começa o primeiro dia do resto da vida de meu filho. Encontramos o técnico, nos extasiamos com o campus, com a hospitalidade. Quase tudo acertado em um único dia. 
O Velho estava lá. 

Dois dias depois, surpreendentemente adaptado, sentiu-se em casa. Uma casa longe de Minas, mas que com Minas se parece. O dormitório da Universidade, as montanhas, o povo, a cidade de dez mil habitantes, Silver City. Poderia ter sido Ouro Preto, Diamantina, Minas Novas, é tudo mina.

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O coach torce para o Galo, num país onde football joga-se com as mãos. Um mexicano-americano torcedor do Atlético Mineiro. 
O Velho estava lá de novo.
Estava comigo no caminho de volta ao aeroporto em El Paso quando olhando para as nuvens num dia ensolarado antes de Bayard, a 55 milhas por hora, disse a ele que nosso menino crescera. 
Revi seus passos, do Jequitinhonha a BH. Revi os meus, de BH a Curitiba. Pensei nos dele, BH, Curitiba, Silver City no Novo México, o mundo. Culpa do Velho. Foi em 2012 para nunca mais sair de nós. 

Deixei seu neto para trás. 
Não chorei nem entristeci, só uma ponta de saudade. Afinal, o Velho estava lá... estaria por ele, por nós, sempre!, já não pairava mais nenhuma dúvida!