sábado, 16 de junho de 2018

Exibicionismo, ostracismo e a lula



Confesso meu voyeurismo light no Face. É minha fraqueza inglória. Mas constato que não posso ser execrado sozinho nessa, já que mais traço herdado do DNA dos sapiens que de uma de minhas idiossincrasias. A saber.
(...)
Yuval Harari, no estupendo Homo Sapiens, pontua que a fofoca foi o amálgama inicial para a cooperação em grupos maiores. Num tempo em que a sobrevivência dependia majoritariamente da ajuda de outros do bando, seja para defesa ou proteção, alimentação e até cuidados quando ferido ou incapacitado, qualquer mecanismo social para fomentar tal intento seria importante. Afinal, quanto maior fosse o grupo, maiores seriam as chances de sobrevivência... e ai veio a santa fofoquinha para nos salvar. 
P.S. ainda bem que os chimpanzés, nossos primos, ainda não se deram conta dessa mamata, senão daqui a pouco isso aqui vira o planeta dos macacos.

(...)

Nos primórdios, tribos formadas por laços de maternidade ou amizade limitavam-se a algumas dúzias de membros. Hierarquia e a liderança de um macho alfa (feministas, não é culpa minha) no mais das vezes garantiam o alinhamento acima das discórdias que por ventura comprometessem a integridade e força do bando. Ou então surgia um novo macho alfa que por capaz de fazer mais coalizões e angariar mais adeptos voltava-se contra o líder e assumia o poder. Nada de novo, nem para o homo sapiens nem para os macacos e políticos, mesmo depois de milhares de anos. Nesse pormenor, continuamos intrinsecamente como nossos ancestrais... e primos. E vejam vocês, a política é bem mais símia que muitos de nós poderia imaginar.

Mas se por um lado só foi possível aumentar o número de membros do bando com o advento da fofoca, a primeira cola social que nos trouxe até aqui, estudos sociológicos apontaram que 150 fofoqueiros seria o ajuntamento máximo de traíras seduzidos pela vontade de meter a língua nos outros pelas costas. Depois desse limiar, o homo (gênero, feministas. Inclui a Dilma também, acho) teve que ser mais sofisticado...
Pausa: eu, como o Suassuna, acho mesmo que não é elegante falar do cabra pela frente. Melhor esperar ele dar as costas e ai meter a ripa. 
Voltando: “Depois desse limiar, o homo (... e a mulher também, senão a Dilma pira) teve que ser mais sofisticado”, inventar outros mecanismos que nos trouxeram até onde estamos hoje, realidades inventadas que nos puseram em cidades, países, reinos sob os auspícios de uma bandeira, Deus, rei, causa, pátria, e o raio que o parta, aos milhares, milhões, bilhões. Impressionante. Viramos os donos do planeta e ou dizimamos ou dominamos quem não engolisse nosso lifestyle. Mas isso é papo pra outro texto (ou leia Harari e descubra você mesmo).

(...)

Mas de volta ao Face frio, navego ali inconscientemente em busca de fofocas - falta do que fazer, preguiça ou incompetência, concordo -, sou um homem simples. É sempre alguém se mostrando numa cachoeira paradisíaca, num país no estrangeiro, num iate, carrão importado, com um mulherão ou famoso do lado, essas coisas. Me delicio com a bondade, inteligência, altruísmo, abnegação, sofisticação, alta cultura que todo mundo não tem, mas que ao contrário, faz questão de propagandear na rede. Como se todos fossem Francisco de Assis, Einstein, Madre Teresa de Calcutá, Bob Marley, Machado de Assis, o Batman... só tenho amigo foda! Deveria me orgulhar.
O duro dessa super exposição é que a compulsão, carência, idiotice ou sei lá mais de um único ególatra esculhamba tudo e estoura seu saco. Vira uma corrida pra ver quem é o campeão de posts do pedaço. E eu, aqui quieto no meu canto rastreando o feed, tenho que me deparar com o miserável uma, duas, dez, vinte vezes.... Só dá o fdp
Fico sabendo de tudo. Sei onde foi, onde vai, o que comeu, quem, o que finge que pensa, como finge que age, a merda toda. Quer sozinho toda minha atenção e é só o fidumaegua e sua enxurrada de bestage. Cara mais chato meu. Sai da minha roça.

Lembrei pois foi de meu xará grego, o Justo, que na votação de seu exílio numa assembleia popular em Atenas, interpelado por um eleitor para que escrevesse Aristides no óstraco indagou:
Que mal te fez esse homem?
Do qual recebeu a resposta:
- Nem sequer o conheço, mas meus ouvidos já se cansam de ouvir chamarem-lhe de justo.

Pois é... o velho chato Caetano ainda reverbera bem quando disse numa música “ninguém de perto é normal”... nem perfeito.

Vá caçar algo melhor pra fazer sujeito... poupe meu ‘feed de fofocas’ de suas estripulias grandiosas. Dê uma chance ao resto. Leve pra lá suas fotos, pensamentos, poemas, lutas, o diabo. Quer ser o maioral, deixe sua obra falar. Quem precisa de demagogia, propaganda e culto repetitivo é ladrão de triplex e sítio, doutor honoris causa calça curta, salvador de pátria ou medíocre inato. Se quisesse eu ser catequizado por um fela desses, já teria ido à sua igreja, me filiado a seu partido, sindicato, movimento e feito o beija mão acertando o dízimo. Sai pra lá pô. 

Na falta de uma punição no Face como o ostracismo grego em Atenas, vou meter teu nome num óstraco e entregar na macumba... fidumarapariga. Se pra sair de seu ostracismo pessoal tem de badalar cada passo seu na minha timeline, você merece, nojento! 
Oh neguinho difícil... Tchan...

(...)

Ahhh... e o que a lula tem a ver com isso tudo? 
Nada... é que “meus ouvidos já se cansam de ouvir chamarem-lhe de inocente”.

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Desenho: Cinara Mota © copyright

sábado, 20 de janeiro de 2018

Dom Álvaro

Faleceu em Minas Novas Dom Álvaro. Era assim que Arnô chamava o parceiro de Regional.
De minha parte, considerava a alcunha simpática, já que relacionada à sua nobreza e não a algum cargo eclesiástico. 
Sim, nobre pelas qualidades e méritos, e até pelos defeitos.
(...)
Durante minha infância e juventude, era presença constante no Sobrado da rua São José. Ensaios em volta da mesa da sala no segundo andar, por entre um emaranhado de fios eram comuns. Estava além de minha ignorância juvenil, porém. Ele, Arnô, Tristão, Canuto, Dú, Heraldo, Plínio e por vezes alguns convidados ilustres (por exemplo, Dásio, Vagner) compunham aquele Regional que só vim a entender anos mais tarde, após vencer os arroubos da juventude e quebrar o ciclo da burrice hegemônica de minha geração. Um dia, num lampejo, vislumbrei o óbvio: original, apaixonante. Veio dai uma carta e a admiração mútua (o vi pela última vez em Janeiro de 2017, quando de férias em Minas Novas. Guardo com carinho um de seus livros com dedicatória e autógrafo).
(...)
É mesmo condição necessária algum estudo e maturidade, uma leitura mais sincera e elaborada da realidade, sem patrulhas, sem imbecilismo ideológico-cultural para enxergar além do mainstream. Especialmente num momento em que, como disse o Tom Martins (regente titular da OFSSP, compositor, instrumentista e bacharel em Composição e Regência pelo Instituto de Artes da Unesp), "... chegamos ao tempo em que se faz necessário provar às pessoas que a grama é verde e a água é molhada."
Depois o Tom continua o artigo dissecando o "grotesco alçado à condição de algo sacrossanto e imune às críticas, por justificativas ideológicas" que considero relevante o registro:
"Antes de embarcar na insólita investida de argumentar sobre os porquês de a música de Pabllo Vittar ser tão ruim – fato que deveria ser captado menos pelo intelecto do que pela própria experiência sensorial não racional –, serei obrigado a esclarecer dois pontos.
Primeiro, e mais importante: aqui nessas paragens, a discussão é adulta e civilizada. Qualquer acusação de “homofobia” ou correlatos será rechaçada com vigor, porque injusta com quem, como eu, cresceu ouvindo Freddie Mercury, Ney Matogrosso, Tchaikovsky, Bernstein, enfim, a lista é longa, e nunca o fato de serem homossexuais nem sequer ofuscou minha admiração e respeito a eles. O segundo aspecto é que, apesar de estudar música há mais de 30 anos, de ser regente profissional há 17, professor há 25 e de ter ajudado a fundar uma das maiores orquestras jovens do Brasil, a qual dirijo há 12 anos, falarei menos sobre música e seus aspectos técnicos do que sobre ideologia porque, afinal, é disso que o fenômeno se trata. O que vemos em Pabllo é o grotesco alçado à condição de algo sacrossanto e imune às críticas, por justificativas ideológicas."

Nesse momento, faço uma pausa e parafraseio o Tom me defendendo também antecipadamente: rechaço com vigor qualquer acusação de homofobia que por ventura algum incauto analfabeto funcional se incline a fazer. Arnô, o cantor do Regional é meu tio e homossexual. Até onde sei, isso NUNCA elevou nem diminuiu seu talento como cantor, que a rigor, NADA tem a ver com sua sexualidade. 
Disso sabia Álvaro muito antes da sapiência esquerdista ou burrice direitista inventar e explorar uma miríade de faróis politicamente corretos.

Mais que isso, trago também um trecho de um artigo do Fiuza chamado 'O mercado de causas sociais, sexuais e raciais virou uma praga, lucrativa nos balcões eleitorais': 
"O Brasil tinha 200 milhões de técnicos de futebol, mas eles mudaram de emprego. Agora são 200 milhões de fiscais ideológicos. Todos prontos para dar carteiradas solenes a cada esquina do espectro esquerda x direita – ou seja, no mundo da lua."  
(...)
Dom Álvaro foi também assim com seus comentários rascantes, num tempo em que o politicamente correto ainda não havia chegado ao estágio de imperativo categórico, como hoje. Mas suficiente para vesti-lo com a toga de radical, excêntrico, dentre outros rótulos odiosos cunhados para nivelar por baixo, igualar, tornar comum quem comunal não era. Era sincero. Bastava pra ser excomungado no senso comum das ovelhas atrás de pastor e pasto. Já tivéramos Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, tantos outros, ele sabia. Nada havia de rasteiro nos versos do Cartola, Noel, na música do Pixinga, na emoção boêmia do Nelson. Coisa boa é coisa boa, lixo é lixo, na favela ou na zona sul.
Gostava era de música boa, sem rótulo. E boa é boa e ruim é ruim, como preto é preto e branco é branco. Alma não tem cor porra!, ainda que a ciência questione a existência da alma, ou talvez por isso mesmo.
Dai ser um dos maiores da festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas. Era branco. Mas fé não tem cor porra
Sincero. Irredutível em suas crenças. Raridade hoje em dia.

Vivemos a era das amálgamas. Todos iguais, medíocres, tutelados por um grande irmão virtual, estúpido e sempre mal intencionado, embora invariavelmente travestido de boa causa prometendo a salvação do homem.
(...)
Foi-se com ele a originalidade, a polêmica, o bom gosto, um tanto da cultura da cidade.
A ele minha reverência sincera: madeira de lei, melhor, cabra bão!!! 
Que Deus o tenha Dom Álvaro, anjo da velha guarda.
Um dia nos vemos... quem sabe.

Álvaro Freire (Foto: Marina Pereira/G1) - Historiador, músico de Minas Novas ...
LINK : Regional