quarta-feira, 8 de julho de 2020

Vortex


Ando falando do passado com muita frequência. Nas conversas enviesadas na cozinha enquanto Margô prepara algo, na sala em frente à TV atrapalhando a programação, na sala de estar com a prosa já contaminada pela música, saudade, cervejas... invariavelmente, minha parceira vê-se encurralada pelos cacos - agora recorrentes - de minhas lembranças. Memórias do Bairro Betânia, do Recanto Motinha, das férias no Vale, da BH da minha infância e juventude, tudo vindo à baila “junto e misturado” como flashes do big bang empilhando takes em minha retina. Coitada da Margô... Outro dia, relembrando as epopéias do bairro (tudo parece gigante, grandioso quando se tem 13 ou 14 anos) contei todos os amigos, restaurando todos em suas casas como num filme de família gravado em super 8 onde ainda se notam os cortes nos frames a cada tranco do projetor ameaçando engripar. Foram anos que ficaram congelados em meu hipocampo, e ainda que a velocidade do projetor mental siga errante, mais rápida ou por vezes lenta, as imagens dançam agora ao som do YES, Jimmy, Doors, Stevie Ray, Janis, Aldir, o Clube, Bosco, Guinga, Egberto, Rush, Beatles, Wakeman, Rosa, Toninho, ELP... por entre cervejas, um charuto... dois. 

(...)

Comecei a fumar depois dos 50... 
E perco-me de novo em lucubrações com o olhar no vazio.
Puxo então Page and Plant e ouço Unledded... pra logo depois pesquisar no Youtube as ‘Alucinações de Sergei’ em seu single de 1966, ano em que nasci. 
Sergei morreu ano passado. Nunca foi nem mesmo ínfima referência musical, diga-se de passagem, mas fez parte do Rock’n’roll nacional cuja história omite hoje curiosidades como a que o nome dos Mutantes foi sugerido pelo Ronnie Von. 
Mas antes dele já haviam ido Jimmy, Jim, Janis, Bonham, John, SRV, George, Keith, Greg Lake, Chris Squire. Depois Neil Peart, Aldir, tantos... esses sim eternizados pela obra.
Percebo então que já nasci com um algoritmo de busca a la Google na cabeça muito antes de Larry Page e Sergei Brin inventarem o buscador mais famoso da Internet (chupaaaaaa AI). 

(...)

Me ocorre depois que para alguns o rock começou com o Whitesnake. Azar do Bill Haley, Chuck Berry e tutti quanti que talvez só tenham existido mesmo pra quem tem mais de 70. É uma tese. 

Não questiono a curvatura da terra nem se o homem pisou na lua mas dessa ai não comungo, é fake... sorry.
Eu sei, cada geração tempera suas verdades com o que viu e ouviu mas isso não significa contestar o passado sem antes pesquisá-lo. 
Nossa história escrita tem pelo menos 5020 anos. Seria como julgá-los usando menos de 2% dos dados, menos de 100 anos, por uma expectativa de vida otimista. 

Quanto a mim, teimoso e atávico que sou, valorizo mais a brilhantina dos anos 50, a psicodelia dos 60, o vortex do rock e o glam de Ziggy Stardust nos 70 ao glitter metal e baladareiro dos 80 MTV. Questão de opinião. Nos 80 já estava mais a mirar o passado, como se tivesse perdido o trem e nascido na geração errada, atrasado, bored.

(...)

A morte de ídolos potencializa a nostalgia e balbucio uma frase do Aldir por entre os dentes antes de outro gole na cerveja : “meu caderno de telefones é um cemitério”. 
Retomo o curso da memória desviada por devaneios e revejo de novo todos os patrícios daquele universo que englobava meras duas ruas do Betânia: a Dois e Quatro... 
De estalo lembro-me também do Cícero, um gênio matemático que conheci no finado Colégio Anchieta. Acho-o na net, escrevo-lhe um vexatório - porque emotivo - bilhete via e-mail. Amo todos agora...
Engraçacado. Ponho In My Life dos Beatles e a letra me iguala a John e Paul por pelo menos dois minutos. 
Não tenho mais medo dos brigões do Conjunto B, do bullying que sofria quando estava vestido de escoteiro com a bermuda azul marinho e o Kichute amarrado na canela, das pendengas geradas pela rivalidade no ‘bente altas’, tudo volta com um tom de saudade... “some forever not for better”.

(...)

Minha misantropia mineira - ou mineirice misantrópica - e a pandemia agravaram o quadro para além da famosa crise da meia idade. Aliás, o Dr Elliot Jaques foi quem cunhou esse termo em 1965, mas só aceitei a teoria depois de sentir na pele a tal crise por volta de 2013.  Quando reneguei o juizo leviano que fiz da teoria (achava frescura),  adicionei mais um ao rosario de erros de julgamento que cometi na vida. Importante que agora até acredito no Dr Elliot.

É... Envelhecer é mesmo perigoso. Ponho Erasmo na JBL e seu “É preciso dar um jeito meu amigo”, a despeito do que acha o fake. É rock, concluo aliviado. Já a cobra branca... arrrrghhhhh!


terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

"O Brasil não é para principiantes"



Começo homenageando Jobim, no título. Não o ginandromorfo tupiniquim PT/PSDB - necessariamente não nessa ordem -, mas o músico, agora também nome de aeroporto. A propósito, penso que não teria gostado tanto da homenagem, a do aeroporto.  ai o 'Samba do Avião' que não me deixa mentir... Lá, para sempre, o pouso será no Galeão. Ademais, ginandromorfo ou não, o galináceo da granja do Dr Schaef foi mesmo é parar na panela e no bucho do dono (necessariamente nessa ordem). E ainda que perguntas rondassem sua cabeça diante da estranheza ao depená-lo, o Dr H. E. Schaef assou-o e fartou-se primeiro para só depois ceder o esqueleto para a anatomista amiga Madge Thurlow Macklin que veio a publicar suas análises na revista científica Journal of Experimental Zoology em 1923. 
Lógico, cartesiano, científico, até eu entendo. 
Já nosso Nelson teve sorte diferente, claro: logrou ser ministro fiel de dois governos antagônicos... pelo menos no picadeiro ou palco da nossa democracia patológica isso é normal.
O Brasil não é mesmo para amadores.

O mundo está mesmo de ponta-cabeça. E eu, amador e neófito nas sapiências das causas e da política que sou - e serei "forevis" -, cada vez entendo menos. 
Distanciei-me - como sonhara há anos - e embora veja o espetáculo agora de longe, ainda que comparando-o com minha realidade atual, "não consigo entender sua lógica". Desolador. Não entendo a luta contra o "fascismo" (aquele do zé. Alguém empreste ‘O que é Fascismo? E outros ensaios’ do Orwell a ele) encampada por atores engajados da Globo - pelas portas dos fundos, claro -, nem a sanha messiânica da turma da "Delfim Moreira 342" contra as ameaças à democracia, o recrudescimento da censura e cerceamento das liberdades (da Lei Rouanet, talvez). Num tempo em que o Marcelo dá muito mais que 2, Duvivier planta, colhe, aperta e acende na boa, vira colunista da Folha e até argumento de autoridade, a nudez das feministas do Leblon eleva o potencial de constrangimento e vergonha alheia de qualquer feminista raiz (dos anos 50, quando a coisa era feia), queermuseus, Wyllys, Rosários, Feghalis e tutti quanti são obrigados por lei, Petra e sua obra de ficção encomendada concorre a Oscar, eu me pergunto: de que diabos esse povo tá falando? Depois do Face, do Youtube, Instagram, Twitter??? Ali o cabra é livre, leve e solto pra falar a merda que quiser, angariar milhares de seguidores e ainda ficar rico. Sem filtro, talento, currículo, concurso, caráter, coerência, quase nada de pré-requisito. Ainda estamos em 68? 
Talvez Caetano e Chico sim, entendo. Quem viveu não esquece, sente falta da adrenalina, principalmente depois dos setenta. Mas e os outros, que nem nascidos? Esse miniver na mídia e na cultura (???), essa cena repetida da ceia dos porcos na última página da Revolução dos Bichos, esse altruísmo demagógico, falso e binário que agora deu até de buscar explicação científica para desumanizar os contrários, reduzi-los a 'não pessoas' e amortecer qualquer resquício de compaixão ou empatia, que porra é essa? Determinismo genético e QI por coloração ideológica? "Tá de brincadeira?"

É... Não tenho mesmo a menor chance, sou mesmo um amador. Esse país é só para profissionais. Melhor só rir do Cruzeiro na segundona esse ano, já que velho demais pra carnaval ou outro "ópio do povo". Pela Internet ou TV, claro, bem longe da Lavigne, Pedro Cardoso, Tais Araújo, Alvim... "valha-me Deus". Ano que vem vai que melhora?